
Génesis Capítulo 12
O Chamado de Abrão (Génesis 11:31 - 19:9)
Introdução
Génesis 12 inicia uma nova divisão no livro de Génesis. Os primeiros onze capítulos costumam ser chamados de "história primitiva". Os últimos capítulos são conhecidos como "a história dos patriarcas". Enquanto o efeito do pecado do homem se tornou cada vez mais abrangente, o cumprimento da promessa de Deus de Génesis 3:15 tornou-se cada vez mais selectivo. O Redentor devia vir do descendente da mulher (Génesis 3:15), depois dos descendentes de Sete, de Noé e então de Abraão (Génesis 12:2-3). Teologicamente, Génesis 12 é uma das passagens-chave do Antigo Testamento, pois contém aquilo que é chamado de a Aliança Abraâmica. Esta aliança é a linha que une todo o Antigo Testamento. Ela é crucial para o entendimento correcto das profecias da Bíblia.
Em Génesis 12 não só chegamos a uma nova divisão e a uma importante aliança teológica, mas, acima de tudo, a um grande e piedoso homem - Abraão. Quase um quarto do livro de Génesis é dedicado à vida deste homem. Mais de 40 referências são feitas a ele no Antigo Testamento. É interessante observar também que o Islão considera Abrão o segundo homem mais importante depois de Maomé, ao ser que o Alcorão se refere a ele 188 vezes.
O Novo Testamento também não diminui a importância da vida e do carácter de Abraão. Há cerca de 75 referências a ele no Novo Testamento. Paulo escolheu-o como o melhor exemplo de um homem que é justificado diante de Deus pela fé e não pelas obras (Romanos 4). Tiago refere-se a ele como um homem que demonstrou a sua fé diante dos homens pelas suas obras (Tiago 2:21-23). O escritor aos Hebreus cita-o como exemplo de alguém que andou pela fé, ao dedicar mais espaço a ele do que a qualquer outro indivíduo no capítulo onze (Hebreus 11:8-19). Em Gálatas, capítulo 3, Paulo escreve que os cristãos são "filhos de Abraão" pela fé, e por isso herdeiros legítimos das bênçãos prometidas a ele (Gálatas 3:7-9).
Ao voltar a nossa atenção para Génesis 12, vamos fazê-lo com o objectivo de ver Abraão como um exemplo de quem anda pela fé. Em especial, vamos ressaltar o processo empregado por Deus para fortalecer a sua fé e fazê-lo o homem temente que ele se tornou. Muitos dos erros mais comuns nos círculos cristãos a respeito da natureza de uma vida de fé podem ser corrigidos com o estudo da vida de Abraão.
As Circunstâncias Envolvidas no Chamado de Abrão (Josué 24:2-3; Actos 7:2-5)
Moisés não nos dá todas as informações necessárias para compreendermos totalmente a importância do chamado de Abrão, mas isso está registado na Bíblia para nós. Estêvão esclarece a época em que Abrão recebeu o primeiro chamado de Deus. Não foi em Harã, como uma leitura casual de Génesis pode nos levar a crer, mas em Ur. Quando Estêvão estava diante dos seus incrédulos irmãos judeus, ele recontou a história do povo escolhido de Deus, ao começar pelo chamado de Abraão:
"Estêvão respondeu: Varões, irmãos e pais, ouvi. O Deus da glória apareceu a Abraão, nosso pai, quando estava na Mesopotâmia, antes de habitar em Harã, e lhe disse: Sai da tua terra e da tua parentela e vem para a terra que eu te mostrarei" (Actos 7:2-3).
Apesar de nem todos os estudiosos da Bíblia concordarem com a localização de Ur, a maioria aceita a Ur da Mesopotâmia meridional, onde costumava ser a costa do Golfo Pérsico. O sítio da grande cidade foi descoberto em 1854, e desde aquela época tem sido escavado, ao revelar muitas coisas sobre os tempos de Abrão. Embora o verdadeiro período da sua vida em Ur possa ser matéria de discussão, podemos dizer com certeza que a ostentação da cidade como uma civilização altamente desenvolvida era justificada. Existem amplas evidências de grandes fortunas, artesanato elaborado e ciência e tecnologia avançadas. Tudo isso nos diz alguma coisa sobre a cidade que Abrão recebeu ordens para deixar. Nas palavras de Vos:
Independentemente de quando Abraão saiu de Ur, ele deu as costas a uma grande metrópole, ao iniciar a sua jornada de fé para uma terra sobre a qual pouco ou nada sabia e que, provavelmente, tinha muito pouco a lhe oferecer do ponto de vista material. Se a cidade onde Abrão vivia era grande, o lar que ele deixou para trás parece não ter sido muito piedoso. Poderíamos presumir que Terá fosse um homem temente a Deus, que educou o seu filho, Abrão, para crer no único Deus, diferente das pessoas da sua época; mas as coisas não foram bem assim. No final da sua vida, Josué, nas suas palavras de despedida, dá-nos uma compreensão melhor do carácter de Terá:
"Então, disse Josué a todo o povo: Assim diz o Senhor, Deus de Israel: Antigamente, vossos pais, Terá, pai de Abraão e de Naor, habitaram dalém do Eufrates e serviram a outros deuses" (Josué 24:2).
Portanto, até onde podemos dizer, Terá era idólatra, tal como as outras pessoas da sua geração. Não é de admirar que Deus tenha mandado Abrão deixar a casa do seu pai (Génesis 12:1)!
A idade de Abrão também não era um factor favorável para deixar Ur e ir para um lugar desconhecido. Moisés diz-nos que ele tinha 75 anos quando entrou em Canaã. Devemos pensar nisto, pois Abrão já devia estar pelo nosso ponto de vista reformado há uns dez anos. Para ele, a "crise da meia idade" era coisa do passado. Em vez de pensar numa nova terra e numa nova vida, a maioria de nós estaria a pensar em termos de uma cadeira de baloiço e uma casa de repouso. Não somos propensos a nos impressionar com a idade de Abrão devido à longa vida dos homens dos tempos antigos, mas Génesis 11 nos informa que a longevidade do homem tinha sido muito maior no passado do que era na época de Abrão. Ele morreu com 175 anos (Génesis 25:7-8), pouco mais do que Sem (Génesis 11:10-11) ou Arfaxede (Génesis 11:12-13). Um dos propósitos da genealogia de Génesis 11 é informar que os homens estavam a viver menos e a ter filhos mais jovens. Abrão não era, em linguagem coloquial, algum "garoto" quando deixou Harã e foi para Canaã. Tudo isto nos leva a pensar nas objeções e empecilhos que deviam estar na sua cabeça quando ele recebeu o chamado de Deus. Ele partiu de Harã não porque fosse a coisa mais fácil a fazer, mas porque esse era o intento de Deus. Com isto, não se deseja glorificar a fé de Abrão, pois, como veremos, no começo ela era muito fraca. Nos estágios iniciais da sua vida, a maioria dos obstáculos foram superados pela iniciativa de Deus. E é isso o que veremos.
A Ordem de Deus
O chamado de Abrão está registado em Génesis 12:1: "Ora, disse o Senhor a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei". Uma interpretação melhor da primeira sentença deste chamado encontra-se nas versões King James e Nova Versão Internacional, onde se lê: "O Senhor dissera a Abrão..."
A diferença é importante, pois sem ela somos levados a pensar que o chamado de Abrão veio em Harã, não em Ur. Mas nós sabemos, pelas palavras de Estêvão, que o seu chamado ocorreu em Ur (Actos 7:2). O passado mais que perfeito (dissera ou tinha dito) é tanto gramaticalmente correcto quanto explicativamente necessário. Ele nos diz que em Génesis 11:27-32 são parentéticos, e não estão estritamente em ordem cronológica.
O chamado de Abrão ocorreu juntamente com uma aparição de Deus. Embora Moisés só mencione essa aparição quando Abrão já estava em Canaã (Génesis 12:7), Estêvão diz-nos que Deus apareceu a ele ainda em Ur (Actos 7:2). Mesmo com todas as objecções que poderiam ser levantadas por Abrão, essa aparição não devia ser incomum. Deus também apareceu a Moisés na época do seu chamado (Êxodo 3:2).
Em certo sentido, a ordem de Deus a Abrão foi muito específica. Ele recebeu instruções detalhadas do que precisava deixar para trás. Ele precisava deixar a sua terra, os seus parentes e a casa do seu pai. Deus ia formar uma nova nação, não só dar um jeito em alguma já existente. Quase nada da cultura, religião ou filosofia do povo de Ur faria parte daquilo que Deus planeava fazer com o Seu povo, Israel. Por outro lado, a ordem de Deus também foi deliberadamente vaga. Enquanto o que precisava ser deixado para trás ficou muito claro, o que estava por vir era dolorosamente desprovido de detalhes: "...para a terra que eu te mostrarei".
Abrão não sabia nem mesmo onde se estabeleceria. Como o escritor de Hebreus coloca: "...e partiu sem saber para onde ia" (Hebreus 11:8). A fé à qual somos chamados não é em algum plano, mas numa pessoa. Mais importante do que onde ele estava, Deus estava interessado em quem ele era, e em Quem confiava. Deus não Se preocupa tanto com geografia quanto com santidade.
A relação entre a ordem de Deus a Abrão em Génesis 12:1 e o incidente em Babel em Génesis 11 não deve passar em branco. Em Babel, os homens preferiram desprezar a ordem de Deus para se dispersar e povoar a terra. Eles esforçaram-se para encontrar segurança e renome ao juntar-se e ao tentar construir uma grande cidade (Génesis 11:3-4). Eles buscaram bênção no fruto do seu próprio trabalho em vez de buscarem na promessa de Deus.
A ordem de Deus a Abrão, na verdade, é uma reversão daquilo que o homem tentou fazer em Babel. Abrão estava seguro e confortável em Ur, uma grande cidade. Deus chamou-o para deixar aquela cidade e trocar a sua casa por uma tenda. Deus prometeu-lhe um grande nome (aquilo que as pessoas de Babel procuravam, Génesis 11:4) em consequência de sair de lá, deixar a segurança da sua parentela e confiar somente Nele. Como são diferentes os caminhos do homem dos caminhos de Deus!
A Aliança com Abrão (Génesis 12:2-3)
Tecnicamente, a aliança com Abrão não se encontra em Génesis 12, mas em Génesis 15:18 e Génesis 17:2, 4, 7, 9-11, 13-14, 19, 21), onde a palavra aliança aparece. É lá que os detalhes específicos são enunciados. Aqui, em Génesis 12, são apresentadas apenas as suas características gerais. Há três promessas principais contidas em Génesis 12:2-3: uma terra, uma descendência e uma bênção. A terra, como já dissemos, está implícita em Génesis 12:1. Na época do chamado de Abrão, ele não sabia onde ficava essa terra. Em Siquém, Deus prometeu-lhe dar "esta terra" (Génesis 12:7). Até a Génesis 15 não havia uma descrição detalhada da terra que ele recebeu:
"Naquele mesmo dia, fez o Senhor aliança com Abrão, dizendo: À tua descendência dei esta terra, desde o rio do Egipto até ao grande rio Eufrates..." (Génesis 15:18).
A terra não pertenceu a Abrão em vida, conforme Deus tinha dito (Génesis 15:13-16). Quando Sara morreu, ele teve de comprar um pedaço de terra para a sua sepultura (Génesis 23:3). Agora, aqueles que primeiramente leram o livro de Génesis estavam prestes a tomar posse do lugar prometido a Abrão. Como deve ter sido emocionante para as pessoas dos dias de Moisés ler a promessa e perceber que o tempo de possuir a terra tinha chegado.
A segunda promessa da aliança Abraâmica era que uma grande nação viria de Abrão. Já mencionamos a importância do Salmo 127 com relação aos esforços do homem em Babel. Bênçãos verdadeiras não vêm do trabalho árduo e das horas penosas de trabalho, mas do fruto da intimidade, ou seja, dos filhos. A bênção de Abraão seria vista mais amplamente nos seus descendentes. Eis o fundamento para o "grande nome" que Deus lhe daria.
Essa promessa exigia fé da parte de Abrão, pois era óbvio que ele já era idoso e Sarai, sua esposa, não podia ter filhos (Génesis 11:30). Ainda se passariam muitos anos até Abrão entender totalmente que o herdeiro prometido por Deus viria da sua união com Sarai.
A última promessa era a da bênção - bênção para ele e bênção por meio dele. Muitas das bênçãos de Abrão viriam na forma da sua descendência, mas havia também a bênção que viria na forma do Messias, O qual traria salvação para o povo de Deus. A respeito dessa esperança, o nosso Senhor, o Messias, disse: "Abraão, vosso pai, alegrou-se por ver o meu dia, viu-o e regozijou-se" (João 8:56).
Além disso, Abrão estava destinado a tornar-se bênção para pessoas de todas as nações. A bênção viria por meio dele de várias formas. Quem reconhecesse a mão de Deus sobre ele e os seus descendentes seria abençoado pelo contacto com eles. Faraó, por exemplo, foi abençoado por exaltar José. Pessoas de todas as nações seriam abençoadas pelas Escrituras que, em grande parte, vieram pela instrumentalidade do povo judeu. Finalmente, o mundo todo seria abençoado pela vinda do Messias, O qual veio salvar pessoas de todas as nações, não só os judeus:
"Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os gentios, preanunciou o evangelho a Abraão: Em ti, serão abençoados todos os povos. De modo que os da fé são abençoados com o crente Abraão (Gálatas 3:7-9).
A Complacência de Abrão (Génesis 11:31-32; 12:4-9)
Ficamos muito preocupados com a exaltação de heróis, principalmente de heróis cristãos. Os gigantes da fé parecem ser personagens excelentes, sem nenhuma falha evidente, como máquinas de disciplina e fé infalível. Não encontramos esse tipo de pessoas na Bíblia. Os heróis da Bíblia são homens "sujeitos a paixões" (Tiago 5:17) e com pés de barro. Este é o nosso tipo de herói. Podemos nos identificar com homens e mulheres assim. E, o mais importante, podemos encontrar esperança para pessoas como nós. Não é de admirar que homens como Pedro, e não Paulo, sejam nossos heróis, pois podemos nos ver neles.
Abrão era um homem como nós. O relato de Moisés dos seus primeiros passos na fé deixa claro que ele deixou muito a desejar e que muitas coisas poderiam ser desenvolvidas nele. Deus chamou-o em Ur, mas ele não deixou a casa do seu pai ou a sua parentela. Depois, ele saiu de Ur e foi para Harã, mas, ao que nos parece, foi só porque o seu pai pagão decidiu sair de lá. Talvez factores políticos ou económicos tenham influenciado na mudança, sem qualquer conotação espiritual.
Os primeiros passos de Abrão não foram decididos ou piedosos, foram mais uma reacção passiva a forças externas. Deus providencialmente levou Terá a arrancar as suas raízes de Ur e ao se mudar para Canaã (Génesis 11:31). Por algum motivo, ele e a sua família fizeram uma paragem perto de lá e acabaram por ficar em Harã. E, já que Abrão não queria, ou não podia, deixar a casa do seu pai, Deus levou o seu pai à morte (Génesis 11:32). Assim, Abrão obedeceu a Deus pela fé e entrou em Canaã, mas só depois de algumas medidas consideráveis terem sido tomadas por Deus. Não estamos a dizer que Abrão não obedeceu a Deus pela fé, mas foi uma fé muito fraca, e muito tardia. Contudo, será que esta afirmação contradiz as palavras da Escritura? Seria inconsistente com as palavras do escritor aos Hebreus?
"Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e partiu sem saber aonde ia" (Hebreus 11:8).
Pelo menos duas coisas precisam ser ditas em resposta a esta questão. Primeiro, a ênfase de Hebreus 11 está na fé. O escritor queria ressaltar os aspectos positivos da jornada cristã, não as suas falhas. Portanto, as falhas não são mencionadas. Segundo, coerente com esta abordagem, o autor não diz quando Abrão obedeceu. Ele simplesmente escreveu: "...Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir". É preciso lembrar que Abrão realmente foi para Canaã, assim como Moisés foi para o Egipto, mas não sem uma considerável pressão da parte de Deus. Não devemos achar que isto seja desanimador, e sim compatível com a nossa própria relutância em arriscar o nosso futuro com uma fé activa, agressiva e inquestionável. Abraão foi um homem de grande fé - após anos de provações dadas por Deus. Contudo, na época do seu chamado, ele era um homem cuja fé era muito pequena; verdadeira, mas pequena. E, se formos honestos connosco mesmos, é exactamente assim com a maioria de nós. Nos nossos melhores momentos, a nossa fé é vibrante e cheia de fervor, mas nos momentos de provação, é fraca e cheia de falhas.
Uma vez em Canaã, a rota tomada por Abrão é digna de nota. Em primeiro lugar, é preciso dizer que era uma rota esperada se ele fosse naquela direcção. Uma olhadela no mapa do mundo antigo do tempo dos patriarcas indica que ele viajou por estradas bem movimentadas da sua época. A rota tomada por ele era muito utilizada pelos comerciantes daqueles dias. Cremos ser esta uma observação importante, pois muitos cristãos parecem sentir que a maneira de Deus é meio bizarra ou incomum. As pessoas não esperam que Deus as guie de forma normal e previsível. A lição a ser aprendida é esta: muitas vezes a maneira como Deus quer que façamos as coisas é a mesma que, de qualquer forma, teríamos escolhido ao utilizar o bom senso. Só quando Ele quer nos afastar do esperado é que devemos buscar orientação espectacular ou incomum. Cassuto sugere que os lugares mencionados (Siquém, Betel e o Neguebe) são muito importantes. Ele acredita que a terra foi, então dividida em três regiões: a primeira ao estender-se da extremidade norte até Siquém, a segunda, de Siquém a Betel, e a terceira, de Betel ao limite sul. Jacó, depois de retornar de Padã-Harã, primeiro foi a Siquém (Génesis 33:18). Depois, foi instruído a subir a Betel (Génesis 35:1, 6). Tanto em Siquém quanto em Betel ele edifivou altares, como Abrão, seu avô (Génesis 33:20; 25:7). Quando Israel entrou em Canaã, para tomar posse da terra sob a liderança de Josué, essas mesmas cidades-chave foram capturadas.
Assim Josué os enviou, e eles foram-se à emboscada, ao colocarem-se entre Betel e Ai, ao ocidente de Ai; porém Josué passou aquela noite no meio do povo (Josué 8:9). Então, Josué edificou um altar ao Senhor, Deus de Israel, no monte Ebal (Josué 8:30). Cassuto conclui que a jornada errante de Abrão delineou o território que iria pertencer a Israel, e os lugares onde ele parou prognosticaram a conquista da terra. Num comentário adicional, ele acrescenta que estes lugares também foram centros religiosos da adoração dos cananeus. Na verdade, ao erigir os altares e proclamar o nome do Senhor, Abrão profetizou o tempo em que a verdadeira adoração iria sobrepujar a religião pagã dos cananeus. Muito embora o exacto significado da expressão "invocou o nome do Senhor" não seja conhecido, com certeza é uma descrição de adoração. É difícil acreditar que o acto público de adoração feito por Abrão não tenha sido visto ou observado com especial interesse pelos cananeus. Cremos que Abrão desempenhou um certo tipo de papel missionário. Como tal, esse teria sido um acto decorrente da fé.
Conclusão: Características de uma Vida de Fé
Desses primeiros estágios do crescimento de Abrão na graça de Deus, podemos encontrar muitos princípios que representam a jornada da fé em todas as gerações, e com certeza na nossa também.
(1) A fé de Abrão começou pela iniciativa de Deus. A soberania de Deus na salvação é bem ilustrada no chamado de Abrão, pois ele veio de um lar pagão. Pelo nosso conhecimento, ele não tinha nenhuma qualidade espiritual que levasse Deus a ele. Deus, na Sua graça eletiva, escolheu Abrão para segui-lo enquanto ele ainda andava nos seus próprios caminhos. Abrão, como Paulo, e os verdadeiros crentes de todas as épocas, reconheceu que foi Deus Quem o buscou e o salvou, com base na Sua graça.
(2) A obra soberana de Deus continuou ao longo da vida espiritual de Abrão. Deus não é soberano somente na salvação, mas também no processo de santificação. Se a vida espiritual de Abrão dependesse somente da sua própria fidelidade, a sua história logo teria chegado ao fim. Após chamar Abrão, foi Deus quem, pela Sua providência, o levou a deixar a sua casa e a sua terra natal e a entrar em Canaã. Graças a Deus porque a nossa vida espiritual, no final das contas, depende da Sua fidelidade e não da nossa!
(3) A jornada cristã é uma peregrinação. Abraão viveu como peregrino, ao esperar a cidade de Deus:
"Pela fé, peregrinou na terra da promessa como em terra alheia, habitando em tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa; porque aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquitecto e edificador" (Hebreus 11:9-10).
O nosso lar permanente não se encontra neste mundo, mas naquele por vir, na presença do nosso Senhor (João 14:1-3). Esta é a mensagem do Novo Testamento (Efésios 2:19; 1 Pedro 1:17; 2:11). A tenda, portanto, é o símbolo do peregrino, pois ele não investe naquilo que não vai durar. Não ousa ficar muito ligado ao que não pode levar consigo, já que nesta vida não podemos esperar ter plenamente aquilo que se encontra no futuro, só um pequeno vislumbre. A vida cristã não é conhecer exactamente o que o futuro reserva, mas conhecer Aquele que é dono do futuro.
(4) A jornada cristã tem as suas raízes na confiabilidade da Palavra de Deus. Quando paramos para pensar, vemos que Abrão não tinha qualquer prova concreta, tangível, de uma vida de bênçãos à sua frente, fora de Ur e longe da sua família. Tudo o que ele precisava era confiar em Deus, O qual Se revelara a ele. No final das contas, isto é tudo que qualquer um precisa. Existem, é claro, evidências para uma fé racional, mas no fundo, no fundo, precisamos simplesmente acreditar no que Deus nos diz na Sua Palavra. Se a Sua "Palavra não é verdadeira e confiável, então, nós, somos os mais infelizes de todos os homens". Mas seria isso suficiente? Que mais poderíamos querer além da Palavra de Deus? Um pregador um dia colocou isso de forma muito clara, pois ele citou o tão batido: "Deus disse. Eu acredito. É assim". Ele disse que poderia até ser mais conciso: "Deus disse, é assim, acredite ou não". A Palavra de Deus é suficiente para a fé do homem. Deus disse que todos os homens são pecadores, merecem o castigo eterno e estão destinados a ele. Deus enviou o Seu filho Jesus Cristo, Aquele esperado por Abrão no futuro, para morrer na cruz e sofrer o castigo pelo pecado humano. Somente Ele pode dar ao homem a justificação necessária para a vida eterna. Deus disse. Será que cremos nisto?
(5) A jornada cristã é simplesmente fazer aquilo que Deus nos diz para fazer e crer que Ele nos guia enquanto fazemos. Deus disse a Abrão para partir sem saber para onde o caminho da obediência o levaria, mas ao crer que Ele iria guiá-lo por onde ele fosse. Não devemos esperar que Deus indique cada curva da estrada com uma sinalização clara. Devemos fazer aquilo que Ele nos diz para fazermos da forma mais sensata possível. A fé não é desenvolvida quando se vive a utilizar algum tipo de mapa, mas quando se utiliza a Palavra de Deus como bússola, a qual nos aponta a direcção certa, mas nos desafia a andar pela fé e não pela vista.
Enquanto Abrão ia de um lugar para o outro, a vontade de Deus deve ter parecido como um enigma. No entanto, quando nos recordamos disso, podemos ver que Deus o esteve a guiar o tempo todo. Nenhuma paragem ao longo da jornada foi irrelevante ou sem propósito. E connosco será da mesma forma quando olharmos para o nosso passado.
(6) A jornada cristã é um processo de crescimento na graça de Deus. Muitas vezes, quando lemos a história de Abraão, um homem de fé, achamos que ele sempre foi assim. Esperamos que este estudo do período inicial da sua vida nos mostre o contrário. Há quanto tempo, somos cristãos? Um ano? Cinco? Vinte anos? Será que percebemos que provavelmente se passaram muitos anos desde o chamado de Abrão até ele terminar em Canaã? Será que sabíamos que só depois de vinte e cinco anos em Canaã ele teve o seu filho, Isaque? Será que conseguimos imaginar que, após deixar Harã e seguir para Canaã, Deus trabalhou na vida de Abrão durante cem anos? A fé cristã cresce. Cresce com o tempo e com as provações. Foi assim na vida de Abrão. E é assim com todos os crentes. Que Deus nos ajude a crescer na graça enquanto andamos no caminho que Ele ordenou, e continuamos a estudar o crescimento da fé de Abrão ao longo de muitos anos.
Fome na terra prometida
[Génesis 12:10-20]
Hoje vamos examinar a vida de um dos maiores homens de toda a Bíblia. O seu nome é Abraão e a sua história é contada de Génesis 12-25. Abraão é um homem de fé por excelência (Gálatas 3:6-9). Quando o escritor de Hebreus 11 desejou explicar o que uma via de fé se parece, ele deu mais espaço a Abraão do que qualquer outra pessoa. Jesus falou da fé que Abraão depositou em Deus, e assim fez o apóstolo Paulo. Aliás, repetidas vezes no Novo Testamento encontramos a frase: "Abraão creu em Deus" (Tiago 2:23; Romanos 4:3). Isso é o que significa a fé.
Além disso, a história de Abraão é encontrada de Génesis 11 até ao capítulo 50, enquanto apenas dois capítulos tratam de toda a história da criação. Na sua caminhada diária Abraão aprendeu a confiar no Senhor (Hebreus 11:10). Mas, neste capítulo, vemos Abraão a agir primeiro pela fé, depois a viver com medo. Mesmo que Abraão fosse um homem de fé, ele era um ser humano imperfeito.
Contexto:
A história de Abraão começa em Ur dos caldeus, onde Abraão vivia numa casa confortável e em circunstâncias agradáveis. A arqueologia tem revelado que a cidade de Ur era uma cidade próspera, com casas bonitas, belos parques e edifícios públicos. Porém, a cidade de Ur, era também uma cidade corrupta, onde havia sacrifícios pagãos - ao incluir sacrifícios humanos. Este não era um lugar adequado para alimentar a fé. De acordo com Génesis 12:1, Deus chamou Abraão para deixar Ur, deixar a sua parentela, e habitar em tendas o resto da sua vida. Abraão começou com o seu pai e o seu sobrinho, Ló, e chegou até Harã. Somente quando o seu pai morreu, Abraão partiu para a terra prometida com Ló.
"Partiu, pois, Abrão, como lho ordenara o SENHOR, e Ló foi com ele. Tinha Abrão setenta e cinco anos quando saiu de Harã" (Génesis 12:4) - Abraão creu em Deus, em última análise, ao deixar Ur e Harã "sem saber para onde ia" (Hebreus 11:8). Ele caminhou cerca de 800 quilómetros até Damasco, depois até Canaã, a terra que Deus havia prometido (Génesis 12:7).
Uma fé obediente ouve a Palavra de Deus e obedece. A vida de Abraão, o nosso pai na fé (Romanos 4:16), nos ensina isso. Quando Deus disse a Abrão para sair da sua terra, ele, simplesmente, "partiu como lho ordenara o SENHOR" (Génesis 12:4). Abrão ouviu o que Deus disse e agiu. Essa é a fé bíblica. Os próximos versículos nos mostram o quanto ele confiava em Deus.
Abraão em Siquém - O lugar do altar de Abraão
"Atravessou Abrão a terra até Siquém, até ao carvalho de Moré" (Génesis 12:6) - A sua primeira paragem foi em Siquém, no centro geográfico da terra prometida. O primeiro altar foi construído no carvalho de Moré. Siquém era uma cidade Cananeia e, é possível, que este seja o local de um santuário pagão. Lá Abraão ergueu um altar ao Deus vivo e deu testemunho aos ímpios cananeus.
"Apareceu o SENHOR a Abrão e lhe disse: Darei à tua descendência esta terra. Ali edificou Abrão um altar ao SENHOR, que lhe aparecera" (Génesis 12:7) - Os cananeus tinham santuários em bosques de carvalhos, e Moré pode ter sido um dos seus centros de culto. O carvalho de Moré era literalmente uma árvore. No entanto, "Moré" significa "professor", e, em tempos antigos, durante os dias de Abrão, havia um guru/feiticeiro que ficava sentado debaixo de uma árvore, e esta árvore era de Moré, o "Carvalho do professor". O guru idólatra deveria ser capaz de ouvir as vozes dos deuses quando eles sussurravam através das folhas das árvores. Foi neste mesmo lugar, nesta localização idólatra, que Abrão ergueu o primeiro altar. É como se ele dissesse: "Eu sei que vocês têm as suas práticas idólatras, mas esta terra é uma promessa de Deus. Então, aqui sob as folhas deste carvalho, vou construir um altar ao meu Deus". Que coragem! Que fé!
Abraão entre Betel e Ai
O segundo lugar onde Abrão construiu um altar foi entre Betel e Ai. Vejamos o versículo 8: "Passando dali para o monte ao oriente de Betel, armou a sua tenda, ficando Betel ao ocidente e Ai ao oriente; ali edificou um altar ao SENHOR e invocou o nome do SENHOR" (Génesis 12:8).
Esses lugares são altamente simbólicos ou significativos. "Ai" significa literalmente "monte de ruínas" ou "monte de lixo". É símbolo do mundo temporal. Por outro lado, "Betel" significa literalmente "casa de Deus". Simboliza a presença ou a comunhão de Deus. Bem no meio, entre o "Monte de ruínas", ao representar o mundo, e "a casa de Deus", ou "o reino vindouro", Abrão construiu um altar. Foi ali que Abrão construiu o seu segundo altar. É uma belíssima ilustração. Cremos que seja um aviso de um grande perigo, quando nos esquecemos de que este mundo não é permanente. Às vezes nos distraímos com as paisagens e desejamos edificar a nossa vida neste mundo. Na verdade, nos esquecemos de que somos peregrinos; não somos colonos.
O altar representa um lugar de comunhão com Deus. Abrão estava animado; ele estava emocionado. Tudo estava a caminhar tão bem. Ele continua a sua caminhada a ir sempre em direcção ao Neguebe, um deserto árido ao sul de Canaã (Génesis 12:9). Então, no versículo seguinte - houve fome na terra (Génesis 12:10). Deus interrompe o regozijo de Abrão com uma fome na terra.
A fome - Abrão desce até o Egipto para escapar da fome.
"Havia fome naquela terra; desceu, pois, Abrão ao Egipto, para aí ficar, porquanto era grande a fome na terra" (Génesis 12:10) - Isto é mais do que apenas uma nota geográfica. Egipto na Bíblia representa o caminho do mundo. Descer ao Egipto significa deixar a terra prometida e trocá-la pelos maus caminhos do paganismo. Abraão foi ao lugar que representava rebelião contra Deus. A ajuda não estava no Egipto, estava no altar. Abraão havia acabado de construí-lo. Sabemos que períodos de fomes ocorreram frequentemente nos tempos bíblicos (e ainda ocorrem em partes da África e da Ásia hoje). Este facto não é incomum. Mas o momento desse período de fome na terra de Canaã não é comum. Depois de tudo o que Abraão passou, tanto em Siquém quanto em Ai, seria justo que Deus lhe desse um período de paz e tranquilidade. Note-se que não há registo de que Abraão tenha enfrentado fome em Ur ou Harã; mas agora que ele estava na terra de Deus, ele não tinha como encontrar alimento para uma grande quantidade de pessoas, além de ovelhas e gado (Génesis 14:14). Como é que nós reagimos quando uma crise bate à nossa porta, especialmente quando surge quando estamos em plena comunhão com Deus?
Abrão fez a coisa mais natural na sua época: "...desceu, pois, Abrão ao Egipto, para aí ficar" (Génesis 12:10). É aqui que reside o problema. Não há nenhuma menção de que ele tenha procurado a vontade de Deus sobre a questão. Ele não negou a Deus; ele simplesmente se esqueceu do Altíssimo. Ele esqueceu-se de como Deus é grande.
O que Abraão precisava entender é que Deus está no controle das circunstâncias. Nós estamos mais seguros num período de crise no centro da vontade de Deus do que num palácio longe da Sua vontade. Abraão falhou e afastou-se da vontade de Deus.
A Falsidade - Abrão pede a Sara para fingir que é sua irmã.
Vamos perceber o que acontece nos versículos seguintes de Génesis 12:
"Quando se aproximava do Egipto, quase ao entrar, disse a Sarai, sua mulher: Ora, bem sei que és mulher de formosa aparência; os egípcios, quando te virem, vão dizer: É a mulher dele e me matarão, deixando-te com vida. Dize, pois, que és minha irmã, para que me considerem por amor de ti e, por tua causa, me conservem a vida" (Génesis 12:11-13).
Vamos observar a palavra "pois" (na', em hebraico) em Génesis 12:13 - Significa "por favor". É como se Abraão estivesse de joelhos e a implorar: "Por favor, Sara..., por favor, por favor". Agora, isso não era realmente uma mentira. Em Génesis 20:12, somos informados de que Sara era meia irmã de Abrão. Eles tinham o mesmo pai, antes de Deus proclamar as penalidades contra o casamento da família, por isso ela era a sua meia-irmã. Ele transmitiu aos egípcios apenas o que ele queria que eles soubessem.
Abrão é inteligente, pois ele diz: "Eu realmente não estou a mentir, estou apenas a dizer uma meia verdade. Diga a eles que você é minha irmã, e tudo vai ficar bem. Vamos ficar aqui; teremos todo o alimento que precisamos; vamos sobreviver. Vamos voltar para Canaã e tudo vai dar certo". Mas uma meia-verdade é uma mentira completa, e essa mentira vai causar uma série de problemas na vida de Abraão, como veremos.
Como achamos que Sara se sentiu a respeito de tudo isso? Aqui está um homem disposto a sacrificar a pureza da sua esposa, a fim de salvar a si mesmo. Não apenas isso, ele também estava a interferir no plano de Deus para abençoar o mundo, ao dar-lhes um filho. Abraão estava disposto a arriscar tudo o que Deus prometeu apenas para salvar o seu próprio pescoço. Não devemos zombar de Deus. Devemos nos lembrar da palavra do Senhor: "...e sabei que o vosso pecado vos há de achar" (Números 32:23) e "Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará" (Gálatas 6:7). Esta é a lei imutável da semeadura e da colheita. Pois não podemos semear feijões e esperar colher melancias. O que semeamos é o que iremos colher. Porém, no primeiro dia, o plano de Abraão pareceu funcionar bem.
O favor - Faraó recompensa Abrão com riquezas por causa de Sara.
"Tendo Abrão entrado no Egipto, viram os egípcios que a mulher era sobremaneira formosa" (Génesis 12:14) - Sara tinha 65 anos de idade, no entanto, ela ainda era jovem e excepcionalmente atraente. Ela provavelmente teria cerca de trinta e cinco anos de idade em relação à nossa época. Ela estava na flor da sua feminilidade. Tudo parecia caminhar exactamente como Abraão havia planeado.
"Viram-na os príncipes de Faraó e gabaram-na junto dele; e a mulher foi levada para a casa de Faraó" (Génesis 12:15) - O plano de Abraão trouxe várias vantagens. Em primeiro lugar, Sara seria bem cuidada, com o melhor da comida, o melhor dos vinhos, a roupa mais cara, joias e perfumes. Em segundo lugar, Abraão receberá um grande dote de Faraó.
Abrão não esperava por isso. Ele não imaginou que o seu plano fosse tão longe. Agora, havia um costume, um período de preparação antes de a mulher ser acrescentada ao harém de Faraó (observe-se os doze meses para a preparação de Ester [Ester 2:12]. Ela seria adicionada ao harém oficialmente, após um período. Não sabemos quanto tempo, mas podemos imaginar Abraão sentado sozinho na sua tenda ao perceber que realmente tinha ido longe demais.
"Este, por causa dela, tratou bem a Abrão, o qual veio a ter ovelhas, bois, jumentos, escravos e escravas, jumentas e camelos" (Génesis 12:16) - Do lado de fora da tenda, outro depósito de gado chegou com uma nota ditada por Faraó: "agradeço a você, Abraão, por ter vindo ao Egipto. Oh, a sua irmã será minha daqui a alguns meses". Tudo começou com uma pequena mentira. Não nos devemos surpreender se os nossos planos enganosos parecem prosperar inicialmente. Afinal, o pecado é divertido, pelo menos por um tempo. Se o pecado não fosse divertido ou, pelo menos temporariamente, ninguém jamais cometeria pecado. A Bíblia fala dos "prazeres transitórios do pecado" (Hebreus 11:25). Se Abraão perdesse a sua mulher, automaticamente, não haveria a bênção prometida. O filho da promessa.
A frustração - Deus afligiu o Faraó e a sua família por causa de Sara.
"Porém o SENHOR puniu Faraó e a sua casa com grandes pragas, por causa de Sarai, mulher de Abrão" (Génesis 12:17) - Agora, pela primeira vez, o Senhor aparece na nossa história. Até agora Abraão estava na crista de uma onda criada pelos seus próprios planos inteligentes. Quando a Bíblia diz que o Senhor enviou "grandes pragas" a Faraó, a palavra "pragas" (naga, em hebraico) é utilizada em outros lugares em referência a doenças físicas dolorosas. Deus graciosamente se sobrepõe até mesmo aos erros daqueles que ele escolheu, em seu benefício a longo prazo (Génesis 45:5-8; Romanos 8:28). O que se segue é um dos episódios mais humilhantes da vida de Abraão. Deus agora está a usar um rei pagão para admoestar o seu servo.
"Chamou, pois, Faraó a Abrão e lhe disse: Que é isso que me fizeste? Por que não me disseste que era ela tua mulher? E me disseste ser tua irmã? Por isso, a tomei para ser minha mulher. Agora, pois, eis a tua mulher, toma-a e vai-te. E Faraó deu ordens aos seus homens a respeito dele; e acompanharam-no, a ele, a sua mulher e a tudo que possuía" (Génesis 12:18-20) - Devemos pensar nisto por um momento, já que Abraão é o homem que Deus escolheu de todos os homens do mundo para ser o pai da nação de Israel. Mas, por causa da sua desobediência, ele foi humilhado na frente de um governante pagão. Duas vezes o Faraó perguntou: "Por quê?" Abraão permaneceu em silêncio. O que ele poderia dizer? Ele mentiu para salvar a própria pele. Ele mentiu porque estava com medo de confiar em Deus num momento de crise. Ele mentiu, porque pensou que fosse o caminho mais fácil. Abrão foi confrontado por um homem que, neste determinado ponto na sua vida, é mais piedoso do que ele - e o homem é um faraó pagão. Como deve ser difícil ser confrontado por um pagão. Talvez seja um filho que diz: "Pai, você não está se comportando como um crente ultimamente", ou um amigo que diz: "Você nem parece que é crente". Ou de um cônjuge que diz: "Não consigo entender, você vive na igreja, mas se comporta como alguém que não conhece a Deus".
"E Faraó deu ordens aos seus homens a respeito dele; e acompanharam-no, a ele, a sua mulher e a tudo que possuía" (Génesis 12:20) - Abrão e todos os que estavam com ele, foram escoltados até à fronteira do Egipto e os guardas do Faraó disseram: "Nós nunca mais queremos ver você de novo". Assim Abraão volta à Terra Prometida, certamente, com a sua cabeça baixa, coração quebrado e os ombros caídos. Ninguém foi tão humilhado no Egipto como Abraão. Agora, não pensemos nós que Abrão saiu ileso de tudo isto. Não! Vamos ver as várias consequências do pecado que ele cometeu:
Abraão perdeu a bênção de ver a obra de Deus
Se Abrão tivesse ficado no altar em Betel; se ele tivesse clamado a Deus pelas suas necessidades, Deus teria respondido milagrosamente. Deus teria suprido as suas necessidades. Deus fez isso com Moisés, os filhos de Israel, Elias e muitos outros. Mas, ao agir na sua própria razão, Abraão perdeu a bênção de ver a obra de Deus; ao ver Deus prover a sua necessidade. Da mesma forma, muitas vezes nós perdemos a oportunidade de ver um milagre na nossa vida porque em vez de esperar por Ele, agimos por conta própria. E, assim, colhemos as consequências das nossas decisões tolas.
Abraão ficou ainda mais rico
Quando Abrão saiu do Egipto, a Bíblia diz que ele era muito rico: "Era Abrão muito rico; possuía gado, prata e ouro" (Génesis 13:2). Mas isso é uma consequência? Alguns versículos depois, essa riqueza causou uma disputa entre os pastores de Abrão e os pastores de Ló e, finalmente, causou uma divisão na família. Nem toda a riqueza é uma bênção.
Abraão ganhou uma serva egípcia chamada Hagar
Quando Sara saiu do Egipto, ela levou consigo uma serva para ajudá-la, chamada Hagar (Génesis 16:1). Esta serva mais tarde terá um filho, porque Abrão mais uma vez ouviu a sua razão (Génesis 21). Aquele filho cresceu e a sua descendência, até hoje, é o arqui-inimigo do povo de Israel - a nação árabe.
Abraão perdeu o sobrinho Ló
Ló evidentemente desenvolveu um gosto pelo Egipto. Abraão e Ló saíram do Egipto, mas o Egipto não saiu do coração de Ló. Como é trágico quando um crente mais maduro, que deveria conhecer melhor a vontade de Deus, leva um crente mais jovem a desviar-se dos caminhos do Senhor.
Conclusão:
Apesar da sua falha, Abraão destaca-se como um homem de fé em toda a Bíblia. Devemos ler o livro de Génesis até ao capítulo 22 ou a celebração da sua fé em Hebreus 11:8-12, 17-19, a maior secção dedicada a alguém nesse capítulo famoso. No entanto, vamos terminar ao compartilhar três lições que encontramos neste texto:
Em primeiro lugar, a crise vem para testar e fortalecer a nossa dependência do Senhor.
Não devemos ficar surpresos quando a crise chegar, pois o caminho da fé é ascendente. A viagem não é por um caminho plano onde podemos casualmente passear. O caminho da fé é ascendente, é uma subida constante para fortalecer os nossos músculos espirituais. Como Provérbios, capítulo 3, nos diz: "Confia no SENHOR de todo o teu coração e não te estribes no teu próprio entendimento. Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas" (Provérbios 3:5-6).
Abraão começou tão bem, mas tropeçou, porque não esperava a fome em Canaã, a crise veio depois da sua experiência de fé. Mas a fome é o caminho de Deus, pois as crises produzem perseverança e maturidade para que possamos nos tornar completos.
Em segundo lugar, Deus é longânimo.
No Salmo 103 está escrito: "O SENHOR é misericordioso e compassivo; longânimo e assaz benigno" (Salmo 103:8). Isso é algo extraordinário, pois se nós fossemos Deus, se calhar teríamos dito: "Abraão, você falhou. Vou escolher outra pessoa. Você levou os pagãos a blasfemarem o meu nome. Eu vou encontrar outra pessoa". No entanto, Deus não age assim, pois o Nosso Deus é generoso, o nosso Deus é paciente.
A história é contada de Thomas Edison, quando estava a trabalhar na primeira lâmpada. Ele terminou e entregou a lâmpada a um jovem assistente no laboratório. Esse jovem teria que levá-la para a câmara de vácuo até algumas escadas. Ele cautelosamente tomou cada passo, um de cada vez, mas, em seguida, no último minuto, ele deixou cair a lâmpada e a quebrou em mil pedaços. Toda a equipa teve que passar mais 24 horas a fazer outra lâmpada, mas quando terminaram, para a surpresa da equipa, Edison entregou a lâmpada ao mesmo assistente. Isso, provavelmente, marcou-o e mudou a vida daquele jovem, pois dessa vez, ele fez o trabalho de maneira correcta. Devemos multiplicar isso por dez milhões, pois é assim mesmo que Deus age. Ele é paciente com os Seus filhos, pois nós falhamos. Nós descemos até ao Egipto, e Deus ainda se preocupa.
Em terceiro lugar, Deus é a resposta para todas as crises da nossa vida.
O Egipto não pode ajudar; o Egipto não é a resposta para a nossa crise. Temos que voltar a Betel, o lugar de comunhão; o lugar de adoração; o lugar onde Deus espera pacientemente por nós.
Abrão retornou para o local de comunhão.
"Fez as suas jornadas do Neguebe até Betel, até ao lugar onde primeiro estivera a sua tenda, entre Betel e Ai, até ao lugar do altar, que outrora tinha feito; e aí Abrão invocou o nome do SENHOR" (Génesis 13:3-4) - Note-se que era o lugar onde ele havia feito a sua tenda inicialmente, entre Betel e Ai. Ele voltou para o altar. No final do versículo 4 está escrito: "e aí Abrão invocou o nome do SENHOR". A lição prática de tudo isto é: nunca abandone o seu altar. Nunca devemos abandonar a comunhão com o Senhor, não importa as circunstâncias. Se desobedecermos a Deus, devemos voltar para o lugar onde O deixámos. Devemos nos lembrar: A vida cristã vitoriosa é uma série de recomeços. Isso não é uma desculpa para o pecado, mas é um estímulo para o arrependimento. Devemos voltar para aquele lugar de comunhão com o Senhor, como Abrão, e mais uma vez invocar o nome do Senhor. Devemos voltar para aquele lugar de total dependência de Deus. Quando a crise chegar, devemos lembrar que Deus não nos abandonou. A vontade de Deus nunca nos levará onde a graça não nos possa preservar. Mesmo nos momentos mais difíceis podemos declarar: "Esta é mais uma oportunidade para confiar em Deus". Não é fácil dizer isso, pois às vezes é preciso mais graça para permanecer na Terra prometida do que chegar lá.