
Génesis Capítulo 9
A Aliança de Deus com Noé - Um Novo Começo (Génesis 8:20 - 9:17)
Introdução
Vivemos numa época em que as pessoas não querem mais assumir compromissos a longo prazo. O contracto matrimonial com frequência é evitado e os votos carecem da firmeza e do compromisso de antigamente. As garantias têm pouca duração. Os contractos muitas vezes são vagos ou cheios de lacunas e letras miúdas.
Estranhamente, os cristãos parecem pensar que cláusulas contratuais bem definidas não sejam muito espirituais, especialmente entre crentes. Dizem que "se deve cumprir o que se promete". E deve-se mesmo. É interessante observar que o imutável, infinito e todo poderoso Deus do universo tenha escolhido Se relacionar com os homens por meio de alianças. A aliança com Noé, no capítulo 9 de Génesis, é a primeira aliança bíblica da Bíblia. Embora a palavra "aliança" apareça em Génesis 6:18, ela refere-se à aliança do capítulo 9.
A aliança com Noé, por uma série de razões, é muito importante para nós. Enquanto o pastor estava a preparar esta mensagem, estava a chover um pouco forte fora da sua casa. Se esta aliança ainda não estivesse em vigor, isso seria motivo de grande preocupação para ele e para nós. A nossa tranquilidade é resultado directo da aliança feita por Deus com Noé há séculos atrás.
A aliança com Noé, além do facto de ainda estar em vigor, também nos dá um padrão para as outras alianças bíblicas. Conforme viermos a entender esta aliança, iremos apreciar muito mais o significado das demais e, especialmente, o da nova aliança instituída por nosso Senhor Jesus Cristo. Por fim, a aliança com Noé estabelece as bases para a existência do governo humano. Particularmente, ela trata da questão da pena de morte. E é aqui que as nossas considerações sobre este tema tão debatido devem começar.
O Compromisso Divino (Génesis 8:20-22)
Tecnicamente, Génesis 8:20-22 não é uma promessa de Deus a Noé. Antes é um propósito assentado no coração de Deus.
"E o Senhor aspirou o suave cheiro e disse consigo mesmo: Não tornarei a amaldiçoar a terra por causa do homem, porque é mau o desígnio íntimo do homem desde a sua mocidade; nem tornarei a ferir todo vivente, como fiz" (Génesis 8:21).
Estas palavras não foram ditas a Noé, elas são intentos reafirmados na mente de Deus. Os teólogos do pacto dão muita ênfase a dois ou três pactos teológicos: o pacto das obras, o pacto da graça e o pacto da redenção. Todos eles, embora sejam "bíblicos" em essência, são mais implícitos do que explícitos. Os teólogos do pacto geralmente tendem a enfatizar os pactos implícitos às expensas dos pactos claramente bíblicos, como o pacto de Deus com Noé. Por outro lado, os teólogos dispensacionalistas muitas vezes dão muita importância aos pactos bíblicos e menosprezam os pactos teológicos. Nos capítulos 8 e 9 de Génesis, ambos os elementos são encontrados. O propósito eterno de Deus para salvar os homens foi estabelecido muito antes dos dias de Noé (Efésios 1:4; 3:11; 2 Tessalonicenses 2:13; 2 Timóteo 1:9). O que encontramos em Génesis 8:20-22 não é a origem desse propósito, mas a sua confirmação na história. Assim como Deus está a reafirmar o Seu propósito aqui, é sempre bom que os homens também ratifiquem os seus compromissos (Filipenses 3:8-16).
A aliança de Deus Consigo mesmo foi motivada pelo sacrifício oferecido por Noé (Génesis 8:20). A resolução de Deus foi não destruir a terra novamente por um dilúvio (Génesis 9:11). Entende-se que as palavras "não tornarei a amaldiçoar a terra..." (Génesis 8:21) são análogas à expressão "nem tornarei a ferir todo vivente, como fiz" (Génesis 8:21).
O que propiciou a resolução de Deus foi a natureza do homem: "porque é mau o desígnio íntimo do homem desde a sua mocidade" (Génesis 8:21). O justo Noé (Génesis 6:9) logo seria encontrado nu em estado de embriaguez (Génesis 9:21). Não importa o quanto o passado da Terra seja lavado por um dilúvio, o problema sempre vai existir enquanto houver um só homem no mundo. O problema está dentro do homem - é a sua natureza pecaminosa. A sua predisposição ao pecado não é aprendida, é inacta - ele é "mau desde a sua mocidade". Por isso, uma restauração completa precisa começar com um novo homem. Isso é o que Deus propôs realizar historicamente. Esse propósito é parcialmente expresso em Génesis 8:22: "Enquanto durar a terra, não deixará de haver sementeira e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite".
Um Novo Começo (Génesis 9:1-7)
Ray Stedman chama estes versículos (e em Génesis 9:8-17) de "As Regras do Jogo", e acho que ele realmente captou o significado desta secção. Um novo começo, com um novo conjunto de regras, é evidente pela similaridade destes versículos com Génesis 1. Tanto aqui (Génesis 9:1) como lá (Génesis 1:28) Deus abençoou as Suas criaturas e lhes disse para serem fecundas e se multiplicarem. Tanto aqui (Génesis 9:3) como lá (Génesis 1:29-30) Deus prescreveu o alimento que o homem poderia comer. Contudo, existem algumas diferenças que indicam que o novo começo ia ser diferente do antigo. Deus avaliou a criação original como sendo "boa" (Génesis 1:21, 31). O mundo dos dias de Noé não recebeu tal aprovação, pois o homem que o dominava era pecador (Génesis 8:21).
Adão foi encarregado de dominar a Terra e governar o reino animal (Génesis 1:28). Noé não recebeu tal mandato. Em vez disso, Deus colocou medo do homem nos animais, pelo qual o homem poderia exercer certo controle sobre eles (a razão pela qual o nosso cão nos obedece - quando obedece - é porque tem medo de nós).
Enquanto Adão e os seus contemporâneos parecem ter sido vegetarianos (Génesis 1:29-30; 9:3), Noé e os seus descendentes poderiam comer carne (Génesis 9:3-4). Havia, no entanto, uma condição. Eles não poderiam comer o sangue dos animais, pois a vida do animal estava no seu sangue. Isso ia ensinar ao homem não só que Deus dá valor à vida, mas também que ela Lhe pertence. Deus permite aos homens tirar a vida dos animais para sobreviver, no entanto, eles não podem comer o sangue.
Algumas pessoas podem estranhar o facto de se poder comer carne depois do dilúvio, mas não antes (ou assim parece). Talvez as condições da Terra tenham mudado tanto que agora a vida necessitasse da ingestão de proteínas. No entanto, o mais provável é que era preciso o homem perceber que, por causa do seu pecado, ele só poderia viver pela morte de outrem. O homem vive pela morte dos animais. Mas, o mais importante é que o homem aprendeu a respeitar a vida. Depois da queda, os homens era obviamente homens de violência (Génesis 6:11), os quais, como Caim (Génesis 4:8) e Lameque (Génesis 4:23-24), não tinham qualquer respeito pela vida humana. Isso é declarado com mais ênfase em Génesis 9:5-6:
"Certamente requererei o vosso sangue, o sangue da vossa vida; de todo animal o requererei, como também da mão do homem, sim, da mão do próximo de cada um requererei a vida do homem. Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem".
A vida do homem é preciosa e pertence a Deus. Ela foi dada por Deus e só Ele pode tomá-la. Os animais que derramassem o sangue de um homem deviam ser mortos (Génesis 9:5; Êxodo 21:28-29). Os homens que, deliberadamente, tirassem a vida de outro homem deviam morrer "pelo homem" (Génesis 9:6; Números 35:33). Nestes versículos, além do assassinato, o mandamento de Deus proíbe também o suicídio. A vida pertence a Deus - não só a vida dos animais e de outras pessoas, mas também a nossa própria vida. Precisamos entender que o suicídio é tomar a nossa vida em nossas próprias mãos quando Deus disse que ela Lhe pertence. Nas palavras de Jó: "o Senhor o deu e o Senhor o tomou" (Jó 1:21).
Esta passagem também parece lançar luz sobre a controvertida questão do aborto. O homem não pode derramar o sangue de outro homem. A vida do homem está no sangue (Génesis 9:4; Levítico 17:11). Ao deixar de lado muitas outras considerações, não deveríamos concluir que, se um feto tem sangue, ele tem vida? Não deveríamos também reconhecer que derramar esse sangue, destruir esse feto, é violar o mandamento de Deus e ficar sujeito à pena de morte?
O homem é criado à imagem de Deus (Génesis 1:27; 9:6). Em vista disso, o assassinato é muito mais do que um acto de hostilidade contra o homem - é uma afronta contra Deus. Atacar o homem é atacar a Deus, à imagem de Quem ele foi criado. Dissemos que matar é pecado porque a vida pertence a Deus. Mostramos também que o assassinato deve ser rigorosamente tratado, pois a vítima é uma pessoa criada à imagem divina. Uma outra razão para a aplicação da pena de morte nesta passagem é: o homem deve derramar o sangue do assassino porque ele também é parte da imagem divina. "Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem" (Génesis 9:6). Deus não tirou a vida de Caim quando este matou o seu irmão, Abel. Cremos que Ele tenha permitido a Caim viver para podermos ver as consequências de se deixar um assassino à solta. Lameque matou um rapaz, provavelmente só por causa de um insulto, e gabou-se disso (Génesis 4:23-24). Os homens que morreram no dilúvio eram homens violentos (Génesis 6:11). Deus de facto puniu o pecado, mas protelou a sua execução até os dias do dilúvio para podermos aprender o alto preço de se deixar um assassino à solta.
Agora que toda a raça humana tinha perecido devido ao seu pecado, Deus podia requerer da sociedade a vida do assassino. Ao aplicar a pena de morte, o homem agiria no interesse de Deus - ele reflectiria a imagem moral de Deus, ou seja, a Sua indignação e a Sua sentença sobre o assassino.
O homem (e com isso entende-se que Moisés estivesse a referir-se à sociedade e às suas agências governamentais) devia executar o assassino a fim de reflectir a pureza moral do seu Criador. Os actos governamentais em nome de Deus punem o malfeitor e respeitam aqueles que fazem o bem:
"Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por Ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação. Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal" (Romanos 13:1-4).
A "espada" mencionada por Paulo no versículo quatro é a espada usada pelo executor no cumprimento da pena de morte. O próprio Senhor deu testemunho de que a tarefa de executar os transgressores da lei foi dada ao Governo:
"Então, Pilatos o advertiu: Não me respondes? Não sabes que tenho autoridade para te soltar e autoridade para te crucificar? Respondeu Jesus: Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse dada; por isso quem me entregou a ti maior pecado tem" (João 19:10-11).
Cremos que o mandamento relativo à pena capital seja o alicerce para qualquer sociedade de homens pecaminosos. O reino animal é controlado, em grande parte, pelo medo que os animais sentem do homem (Génesis 9:2). As tendências pecaminosas do homem também são mantidas sob controle pelo medo que ele tem das consequências. Qualquer sociedade que perca o respeito pela vida não pode durar muito tempo. Por esta razão, Deus instituiu a pena capital como uma restrição graciosa da tendência pecaminosa do homem para a violência. E, por isso, a humanidade pode viver em relativa paz e segurança até o Messias de Deus acabar de vez com o pecado. E assim tem início uma nova época. Não uma época de optimismo ingénuo, mas de vida debaixo de leis muito claras. E, como veremos nos próximos versículos, uma época com esperança para o futuro.
A Aliança com Noé (Génesis 9:8-17)
A aliança de Deus com Noé e os seus descendentes revela muitas das características das alianças subsequentes feitas por Deus com o homem. Por isso, vamos destacar as mais relevantes.
(1) A aliança com Noé foi iniciada e ditada por Deus. A soberania de Deus é claramente vista nesta aliança. Embora algumas alianças do passado tenham sido resultado de negociações, esta não. Deus deu início a ela como expressão externa do Seu propósito revelado em Génesis 3:20-22. Ele ditou os termos para Noé, e não houve discussão. Um amigo do pastor tinha um carro que estava a cair aos bocados. Com o apoio do pastor, ele foi a um stand de carros usados em busca de algo mais confiável. Ele encontrou um veículo que parecia promissor, mas decidiu pensar um pouco mais no assunto. Quando entrou no carro velho para ir embora, não conseguiu que ele pegasse. Como dá para imaginar, o amigo do pastor não estava em condições de negociar. Ele comprou o outro carro sem negociar o preço. A situação de Noé era exactamente a mesma. E devemos acrescentar: será que nós ousaríamos questionar os termos de Deus? Acho que não!
(2) A aliança com Noé foi feita com ele e todas as gerações subsequentes: "Disse Deus: Este é o sinal da minha aliança que faço entre mim em vós e entre todos os seres viventes que estão convosco, para perpétuas gerações" (Génesis 9:12).
"Esta aliança permanecerá em vigor até a época em que nosso Senhor retornar à terra para purificá-la pelo fogo" (2 Pedro 3:10).
(3) Esta é uma aliança universal. Enquanto algumas alianças envolvem apenas um pequeno grupo de pessoas, esta aliança em particular abrange "toda carne", isto é, todos os seres viventes, ao incluir o homem e os animais:
"Eis que estabeleço a minha aliança convosco, e com a vossa descendência, e com todos os seres viventes que estão convosco: assim as aves, os animais domésticos e os animais selváticos que saíram da arca, como todos os animais da terra" (Génesis 9:9-10).
(4) A aliança com Noé é uma aliança incondicional. Algumas alianças eram condicionais, onde as partes deveriam cumprir determinadas condições. Esse foi o caso da aliança Mosaica. Se Israel guardasse os mandamentos de Deus, eles receberiam as Suas bênçãos e teriam prosperidade. Se não, seriam expulsos da terra (Deuteronómio 28). As bênçãos da aliança com Noé não eram condicionais. Deus daria regularidade de estações e não destruiria novamente a terra por um dilúvio simplesmente porque disse que seria assim. Embora a raça humana tenha recebido certos mandamentos em Génesis 9:1-7, estes não devem ser vistos como condições da aliança. Tecnicamente, eles não fazem parte dela.
(5) Esta aliança foi uma promessa de Deus de nunca mais destruir a terra por um dilúvio: "então, me lembrarei da minha aliança firmada entre mim e vós e todos os seres viventes de toda carne; e as águas não mais se tornarão em dilúvio para destruir toda carne" (Génesis 9:15). Deus irá destruir a terra pelo fogo (2 Pedro 3:10), mas só após a salvação ser comprada pelo Messias e os eleitos serem levados, do mesmo modo que Noé foi protegido da ira de Deus.
(6) O sinal da aliança com Noé é o arco-íris:
"Porei nas nuvens o meu arco: será para sinal da aliança entre mim e a terra. Sucederá que, quando eu trouxer nuvens sobre a terra, e nelas aparecer o meu arco, então, me lembrarei da minha aliança firmada entre mim e vós e todos os seres viventes de toda carne; e as águas não mais se tornarão em dilúvio para destruir toda carne" (Génesis 9:13-15).
Toda a aliança tem o seu sinal correspondente. O sinal da aliança Abraâmica é a circuncisão (Génesis 17:15-27); o da Mosaica, a observância do sábado (Êxodo 20:8-11; 31:12-17). O arco-íris é um "sinal" bastante apropriado. Ele é constituído pelo reflexo dos raios solares nas partículas de água das nuvens. A mesma água que destruiu a terra forma o arco-íris. O arco-íris, também, aparece no fim de uma tempestade. Por isso, este sinal declara ao homem que a tempestade da ira de Deus (num dilúvio) já passou.
O mais interessante é que o arco-íris não foi planeado para o homem (pelo menos não neste texto), mas para Deus. Ele disse que o arco-íris O faria Se lembrar da Sua aliança com o homem. Que conforto saber que a fidelidade de Deus é a nossa garantia!
Conclusões e Aplicações
Para os antigos israelitas que primeiro receberam esta revelação de Deus, a aliança com Noé explicou o motivo de várias regras da lei Mosaica. As leis referentes à pena de morte, por exemplo, têm origem e explicação no capítulo 9 de Génesis. A questão específica do sangue ganha ainda mais significado à luz deste capítulo.
Os antigos profetas também fizeram alusão à aliança de Deus com Noé. Isaías relembrou à nação, Israel, a fidelidade de Deus em manter esta aliança:
"Porque isto é para mim como as águas de Noé; pois jurei que as águas de Noé não mais inundariam a terra, e assim jurei que não mais me iraria contra ti, nem te repreenderia. Porque os montes se retirarão, e os outeiros serão removidos; mas minha misericórdia não se apartará de ti, e a aliança da minha paz não será removida, diz o Senhor, que se compadece de ti" (Isaías 54:9-10).
Na época dos escritos de Isaías parecia haver poucos motivos de esperança para eles como nação. Isaías relembrou-lhes que a sua esperança era tão segura quanto a Palavra de Deus. A promessa da redenção por vir deveria ser vista à luz da fidelidade de Deus em manter a Sua aliança com Noé e os seus descendentes.
A linguagem de Génesis capítulo nove foi empregada por Oséias para garantir ao povo de Deus a sua restauração:
"Naquele dia, farei a favor dela aliança com as bestas-feras do campo, e com as aves do céu, e com os répteis da terra; e tirarei desta o arco, e a espada, e a guerra, e farei o meu povo repousar em segurança" (Oséias 2:18).
Jeremias também falou das bênçãos futuras de Deus ao relembrar ao povo a Sua fidelidade em manter a aliança com Noé:
"Assim diz o Senhor, que dá o sol para a luz do dia e as leis fixas à luz e às estrelas para a luz da noite, que agita o mar e faz bramir as suas ondas; Senhor dos Exércitos é o seu nome. Se falharem estas leis fixas diante de mim, diz o Senhor, deixará também a descendência de Israel de ser uma nação diante de mim para sempre. Assim diz o Senhor: Se puderem ser medidos os céus lá em cima e sondados os fundamentos da terra cá embaixo, também eu rejeitarei a descendência de Israel, por tudo quanto fizeram, diz o Senhor" (Jeremias 31:35-37; 33:20-26; Salmo 89:30-37).
Os Israelitas podiam ansiar pela salvação que Deus lhes traria. E nós podemos olhar para o que Ele já fez por intermédio do Messias, o Senhor Jesus Cristo. Embora Israel ainda aguarde o pleno cumprimento da aliança de Deus no milénio, eles podem fazê-lo na confiança de que Deus mantém os Seus compromissos. E nós também, como cristãos, podemos ter plena certeza da fidelidade de Deus.
A aliança com Noé, de diversas formas, prefigurava a nova aliança. Consequentemente, a nova aliança cumpriu muitas das coisas antecipadas pela aliança com Noé. O derramamento de sangue adquiriu novo significado na aliança com Noé. O derramamento do sangue de Cristo no Calvário subitamente trouxe à baila o capítulo 9 de Génesis. Ao ter em vista que todas as alianças bíblicas têm o seu ápice na nova aliança, que as deixa obscurecidas, vamos gastar alguns momentos para comparar as características da nova aliança com a aliança de Deus com Noé.
A nova aliança é prometida em Jeremias 31:30-34:
"Cada um, porém, será morto pela sua iniquidade; de todo homem que comer uvas verdes os dentes se embotarão. Eis aí vêm dias, diz o Senhor, em que firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egipto; porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o Senhor. Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas escreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Não ensinará jamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece o Senhor, porque todos me conhecerão, desde o menor até o maior deles, diz o Senhor. Pois perdoarei as suas iniquidades e dos seus pecados jamais me lembrarei".
O Nosso Senhor instituiu esta aliança pela Sua morte na cruz do Calvário. O sinal da aliança é a ceia do Senhor:
"Enquanto comiam, tomou Jesus um pão e, abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, dizendo: Tomai, comei; isto é o meu corpo. A seguir, tomou um cálice e, tendo dado graças, o deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados. E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai" (Mateus 26:26-29).
O escritor aos Hebreus salientou que a nova aliança substituiu a antiga (Mosaica) e é infinitamente superior a ela. A nova aliança, assim como a aliança de Deus com Noé, foi iniciada por Deus e executada por Ele. Enquanto toda a carne se beneficia da graça comum prometida por Deus na aliança com Noé, somente quem está "em Cristo" é beneficiado pelas bênçãos da nova aliança. É a nova aliança "no Seu sangue" que é experimentada por quem confia no sangue derramado de Cristo, o Cordeiro de Deus, para receber o perdão dos pecados e o dom da vida eterna. O Nosso Senhor disse aos Seus seguidores:
"Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida" (João 6:53-55).
Com isto Ele quis dizer que não se deve somente reconhecer a divindade de Cristo e da Sua morte pelo pecador, mas que isso precisa se tornar a parte mais importante da vida, ao crer que somente em Cristo há salvação.
A única condição para participar das bênçãos da nova aliança é ao expressar uma fé pessoal em Cristo ao recebê-lo:
"Mas a todos quantos O receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no Seu nome" (João 1:12).
"E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está no seu Filho. Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele que não tem o Filho de Deus não tem a vida" (1 João 5:11-12).
Como na aliança com Noé, quem está debaixo da nova Aliança não precisa temer a futura explosão da ira de Deus. Embora a aliança com Noé garantisse a toda a carne que Deus não iria destruir novamente a vida por um dilúvio, a nova aliança garante ao homem que ele não sofrerá o derramamento da ira divina por outros meios, tais como o fogo (2 Pedro 3:10).
"...e a Jesus, o Mediador da nova aliança, e ao sangue da aspersão que fala cousas superiores ao que fala o próprio Abel" (Hebreus 12:24).
Como as alianças são reconfortantes! Elas permitem ao homem saber exactamente onde ele está com Deus. Não devemos tentar fazer o nosso próprio acordo com Ele. Podemos enfrentar a eterna ira de Deus por confiarmos em nós mesmos, ou podemos receber o perdão divino e a vida eterna pela fé em Cristo. Os termos que Deus estabelece para a paz são muito claros. Será que já nos rendemos a Ele? Que Deus nos ajude a fazê-lo.
Estudo sobre Génesis 9
INTRODUÇÃO
Aqui a raça humana tem um novo começo. Através destas oito almas o mundo foi repovoado. Em todos os continentes nós encontramos vários relatos a respeito do dilúvio, pois esta história tem sido passada de geração a geração. Somente nas Escrituras nós temos a história contada sem erros ou falsas fantasias.
1. UM NOVO COMEÇO - GÉNESIS 9:1-2.
Noé recebeu a mesma directriz que foi dada para Adão [Génesis 1:22]. No entanto, houve uma mudança na maneira de exercer domínio. Em Génesis 1:28 Deus mostrou ao homem que a terra foi criada para o seu proveito. Portanto, ele deveria dominar, ou em outras palavras, utilizá-la em seu benefício. Em Génesis 9:2, é acrescentado, que para a protecção do homem, o temor dele estaria presente em todos os animais. Isto mostra como o pecado produziu miséria e desarmonia mesmo entre a criação física [Romanos 8:22].
2. O SANGUE - GÉNESIS 9:3-4.
No relato da criação, foi dito ao homem para se alimentar de todas as ervas que davam semente [Génesis 1:29]. Aqui a dieta dele foi ampliada para incluir os animais. Entretanto, havia uma restrição para que não se comesse os animais vivos, ou animais cujo sangue não tivesse sido tirado. Deus estava a começar a incutir no homem o respeito pelo sangue. A vida da carne está no sangue [Levítico 17:10]. A maioria dos sacrifícios levíticos exigia o derramamento de sangue [Levítico 17:11]. Isto tudo estava a preparar-nos para entendermos a redenção através do sangue de Cristo [Apocalipse 5:9].
3. A PENA DE MORTE - GÉNESIS 9:5-7.
Antes do dilúvio, a pena de morte não era permitida [Génesis 3:14-15]. Deus reservou a Si mesmo o direito de julgar o homem. Infelizmente o homem encheu a terra com uma violência incontrolável [Génesis 6:11]. Certamente nós não podemos entender porque Deus tomou esta decisão. Talvez Ele desejasse mostrar ao homem a profundidade da sua natureza depravada, e a necessidade da força de um governo para restringi-lo. Após o dilúvio, Deus autorizou e de facto exigiu o exercício da pena de morte. A razão pela qual um assassinato exige tão séria penalidade, é explicada pelo facto de que o homem foi criado à imagem de Deus. Quando este facto é esquecido, a vida humana é vista como algo sem muito valor. Note-se como o aborto é promovido por homens ímpios. Vamos notar outras verdades bíblicas que caminham juntas neste tópico:
A. A Bíblia proíbe a vingança pessoal ou o assassinato [Êxodo 20:13; Romanos 12:19].
B. Deus deu ao governo civil o direito de exercer a pena de morte [Romanos 13:3-4].
C. Aqueles que pensam que o sexto mandamento proíbe a pena de morte, deveriam estudar melhor as Escrituras [Comparar Êxodo 20:13 com Êxodo 21:12]. Alguém poderia questionar por que até mesmo um animal que matou um homem deveria ser morto também. Obviamente qualquer criatura que tivesse se transformado em um assassino de homens, era uma ameaça pública. Esta lei também fez uma ilustração pública de como a vida humana é sagrada.
4. A ALIANÇA - GÉNESIS 9:8-17.
Antes do dilúvio, não havia chuva sobre a terra [Génesis 2:5-6]. A primeira experiência do homem com a chuva foi durante o julgamento universal. Devemos imaginar o medo daqueles que vieram da Arca, ou como se sentiam aqueles que mais tarde ouviram a respeito do dilúvio, quando começava a chover. A fim de aliviar este temor, e como um sinal da promessa de Deus de não destruir mais a terra com água, foi feito um arco nas nuvens para servir como memorial deste pacto. O arco nas nuvens era o penhor da aliança que Deus fez com todos os homens e animais. Vamos explicar às nossas crianças o significado do arco na nuvem.
5. O PECADO DE NOÉ - GÉNESIS 9:18-21.
Os eventos aqui relatados ocorreram alguns anos após o dilúvio. Isto é provado pelo facto de que Canaã, o filho de Cão, já ter nascido ou mesmo ser bem jovem. Noé plantou uma vinha e produziu vinho. Ele bebeu ao ponto de ficar bêbado, e por causa do calor que o álcool produziu, ele se despiu na sua tenda enquanto dormia. Este facto conduziu a uma tragédia. Podemos tirar as seguintes lições deste episódio:
A. A Bíblia foi escrita por inspiração de Deus. Na sua completa integridade, ela expõe os erros de mesmo os melhores homens. Os livros escritos pelos homens têm a tendência de esconder os pecados e fraquezas daquelas pessoas que são admiradas.
B. Não importa quanto tempo nós temos de convertidos, ou quão fiéis nós temos sido a Deus, temos que ser vigilantes. O melhor homem irá cair se ele não vigiar e orar [Mateus 6:13], Somente Deus pode nos guardar de tropeçar [Judas 24].
C. O uso de vinho é um perigo real [Provérbios 20:1; 23:29-35].
D. O abuso do vinho conduz a outros pecados [Habacuque 2:15].
6. O PECADO DE CÃO - GÉNESIS 9:22-23.
Os antigos eram extremamente modestos e reservados. É muito difícil entendermos qual nível de modéstia eles praticavam. A modéstia é uma virtude e deve ser incentivada nas crianças. O pecado de Cão foi a falta deste respeito e decência. Ao invés de honrar ao seu pai, ele o contemplou com satisfação e até contou aos outros da desgraça de seu pai. Talvez ele estivesse ressentido com a piedade de seu pai e ficou satisfeito com a sua queda. Vejamos o contraste entre o comportamento de Cão e o dos seus dois irmãos. Não foi o respeito e honra deles para com Noé uma repreensão a seu irmão?
7. AS PROFECIAS DE NOÉ - GÉNESIS 9:24-27.
A. A Maldição de Canaã - Quando Noé despertou e soube do comportamento de Cão, ele ficou indignado. Nesta época Cão tinha um filho chamado Canaã. Os traços ruins de Cão parecem já terem sido manifestos nele. Então, ao invés de a maldição cair sobre Cão e todos os seus descendentes, caiu sobre Canaã. Ele e os seus descendentes foram amaldiçoados com a escravidão. Vamos observar as informações bíblicas a respeito de Canaã e dos seus descendentes:
1. Canaã foi apenas um dos filhos de Cão [Génesis 10:6].
2. Os descendentes de Canaã estabeleceram-se na terra dada a Israel [Génesis 10:15-19].
3. Os descendentes de Canaã tinham uma tendência à imoralidade [Génesis 10:19 - Sodoma e Gomorra; Génesis 15:16; Génesis 19; Génesis 34:1-2! Note-se Génesis 10:15-16; Levítico 18:3-24].
4. Os Cananeus foram dominados e escravizados por Israel e muitas nações de gentios.
5. Os últimos Cananeus parecem ter sido destruídos em 146 A.C., quando Roma atacou a cidade Fenícia de Cartago. Até mesmo os Romanos ficaram chocados com a impiedade de Cartago.
B. Sem é Abençoado - Sem foi o pai dos povos orientais, ao incluir Abraão e o povo Judeu. Devemos perceber que a bênção de Sem está associada a Deus. Através de Sem vieram todos os Judeus e os seus profetas, e finalmente o Senhor Jesus Cristo. Canaã deveria ser servo deles.
C. Jafé é Abençoado - Jafé foi o pai dos povos nórdicos ou Europeus. Várias promessas são feitas aqui:
1. A descendência de Jafé se alargaria. Note-se através da história, as conquistas mundiais realizadas pela semente de Jafé.
2. Jafé habitaria nas tendas de Sem. Isto pode referir-se ao facto de que os descendentes de Jafé têm frequentemente vivido nas terras de Sem. O mais importante é que isto é sempre visto como uma profecia a respeito do evangelho a chegar até aos gentios [Actos 16].
3. Canaã deveria ser servo deles. Os Cananeus foram frequentemente escravizados e finalmente destruídos pelos descendentes de Jafé. O estudo das profecias de Noé e dos seus descendentes é ao mesmo tempo complexo e interessante.
A Aliança da Promessa

Porei nas nuvens o meu arco; será por sinal da aliança entre mim e a terra (Génesis 9:13).
Este capítulo introduz uma das palavras mais importantes da Bíblia - "Aliança". Significa um pacto entre Deus e a humanidade, um acordo solene entre as duas partes. No verso de hoje vemos Deus a estabelecer uma aliança com Noé e os seus filhos após o dilúvio. Ao prometer nunca mais trazer as águas de destruição sobre o mundo, Deus faz uma "aliança" e a representa pelo arco-íris (Génesis 9:13-17). Aos homens e mulheres temerosos diante da possibilidade de um novo cataclismo, Deus dá um sinal da sua promessa.
Ao longo das Escrituras lemos acerca de alianças. Deus faz uma aliança com Abraão (Génesis 17:7-16), então com Israel no Sinai (Êxodo 19:3-6), com as pessoas do tempo de Josué (Josué 24:1-27) e assim por diante. Jeremias prediz uma nova aliança: "Eu porei a minha lei na mente deles e no coração deles a escreverei. Eu serei o Deus deles, e eles serão o meu povo" (Jeremias 31:31-34), e no Novo Testamento esta aliança passa a existir (Hebreus 8:6-13).
Qual é o significado dessa linguagem da "aliança"? Mostra a graciosa condescendência de um Deus que se preocupa tanto connosco que, a fim de nos tranquilizar, até mesmo aceita firmar um compromisso connosco. A aliança procura nos mostrar que podemos confiar em Deus, que ele realmente se preocupa connosco. Indica também que somente Ele pode especificar o caminho da salvação.
Embora diversas alianças sejam mencionadas na Bíblia, todas elas brotam da "aliança eterna" (Hebreus 13:20), ratificada não com o sangue de animais, mas com o sangue de Cristo. Cada promessa do Antigo Testamento, seja para Adão e Eva, Noé, Abraão, ou Israel, apontava para aquilo que o cordeiro de Deus iria realizar, e descansava na certeza daquela realização. Cada vez que nós contemplarmos um arco-íris devemos pensar no arco-íris existente sobre o trono de Deus (Apocalipse 4:3) e devemos ter a certeza que Deus nos ama profundamente e oferece a nós a salvação.
O Significado do Arco-Íris de Noé no Dilúvio
A maldade da raça humana fez com que Deus tomasse uma medida drástica, ao destruir tudo num grande dilúvio e ao começar tudo novamente. E ao invés de fazer uma criatura nova a partir de materiais inertes, como fez com Adão, Deus salvaria uma família, e dela repopularia o mundo.
"E disse o Senhor: Destruirei o homem que criei de sobre a face da terra. Desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; porque me arrependo de os haver feito" Génesis 6:7.
E como Deus escolheria uma família que valeria a pena ser poupada, no meio de tanta corrupção? O Génesis afirma, sem problemas, que Noé alcançou o favor do Senhor:
"Noé, porém, achou graça aos olhos do Senhor" Génesis 6:8.
E logo no próximo verso, o motivo desta escolha é explicado:
"Noé era homem justo e perfeito em suas gerações; Noé andava com Deus" Génesis 6:9.
A narrativa bíblica é bem diferente das histórias encontradas na literatura primitiva do oriente médio. Naqueles contos míticos, um homem também é salvo quando os deuses decidem exterminar a raça humana, mas nenhum motivo é apresentado. Não há nenhuma condição moral envolvida.
Apenas é dito que um dos deuses resolve salvar o seu humano favorito. E também não há nenhuma causa moral para se trazer o dilúvio. Num épico acadiano, nós lemos que a razão para o dilúvio foi que o "deus enlil" se sentiu incomodado com o barulho que os seres humanos faziam na terra. Mas o Génesis nos informa que o mundo foi destruído por causa da corrupção moral, desrespeito às leis básicas de uma sociedade e por causa da violência. E Noé foi salvo porque "tenho visto que és justo diante de mim nesta geração" Génesis 7:1.

A Curvatura do Arco-Íris Aponta para o Céu.
Consolo e Repouso
A importância de Noé é inquestionável. Ele desempenha o papel principal na história bíblica do dilúvio. Há dez gerações de Adão até Noé, e outras dez gerações de Noé até Abraão. O seu nome - Noach - vem da raiz lanuach, "repousar".
Isto tem um nível profundo de conexão com o dilúvio, uma vez que ao final de cento e cinquenta dias "a arca repousou [vatanach] no sétimo mês, no dia dezassete do mês, sobre os montes de Ararate" Génesis 8:4. A Torá dá a sua própria interpretação para o nome de Noé, ao derivá-lo de I'nahem, "consolar", "expressar condolências": "Este nos consolará [y'nahamenu] acerca de nossas obras e do trabalho de nossas mãos, por causa da terra que o Senhor amaldiçoou" Génesis 5:29. Noé torna-se numa espécie de segundo Adão, do qual toda a humanidade viria a descender. Através dele, também, a maldição que o pecado de Adão trouxe ao mundo seria mitigada, por causa do sacrifício que um dos seus descendentes faria no calvário, milénios depois do dilúvio.
A Maldade Humana
Uma das perguntas mais perplexas que podemos fazer é sobre a natureza da maldade humana. Este assunto está presente no coração de toda a escritura sagrada, e vem a ser discutida desde o princípio do mundo. O Génesis mostra-nos que os seres humanos são naturalmente imperfeitos, e que a origem da sua imperfeição revelou-se pela desobediência de Adão e Eva no Éden. Também podemos ver essa imperfeição por meio da vida de Caim, que não foi capaz de resistir ao pecado que "estava à porta", mesmo ele a ser avisado de que "sobre ele deveria dominar".
E agora, na geração do dilúvio, se manifesta não mais individualmente, mas contamina toda uma civilização.
"E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente" Génesis 6:5.
O mal se espalha de forma universal, e a corrupção daquela sociedade foi de uma grandeza tal que a Torá faz uma das suas afirmações mais dramáticas:
"A terra, porém, estava corrompida diante da face de Deus; e encheu-se a terra de violência. E viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra" Génesis 6:11-12.
Ao invés de haver uma evolução, onde a sociedade seria mais justa, onde a justiça social reinaria, toda a civilização se enche de violência, ao criar um mundo onde a busca pelo que era errado afecta todas as instituições humanas. Este não era o mundo que Deus tinha a intenção de criar.
A história do dilúvio foi amplamente contada nas mitologias no antigo Oriente Médio, mas em nenhuma delas havia qualquer indicação de que a destruição foi trazida por causa da corrupção moral e da violência dos seres humanos. A verdade, porém, é que toda a carne se corrompeu e sucumbiu ao pecado.
E a justiça divina traz um grande dilúvio à terra, ao destruir o mal e a maldade humana, para um novo recomeço. Mas infelizmente os descendentes de Noé não se provam muito melhores do que os de Adão.
O Meu Arco Tenho Posto Nas Nuvens
Deus já sabia deste facto de que "toda imaginação do homem era má desde a sua meninice". Depois que as águas do dilúvio secaram, Yahveh - o Deus de misericórdia declara:
"e o Senhor [YHVH ou Yahveh] disse em seu coração: Não tornarei mais a amaldiçoar a terra por causa do homem; porque a imaginação do coração do homem é má desde a sua meninice, nem tornarei mais a ferir todo o vivente, como fiz" Génesis 8:21.
E Deus estabelece uma nova aliança com Noé e seus filhos, de que não tornaria mais a trazer tamanha destruição ao mundo novamente, e como símbolo desta aliança Ele estabelece o seu arco nas nuvens do céu.
"E eu convosco estabeleço a minha aliança, que não será mais destruída toda a carne pelas águas do dilúvio, e que não haverá mais dilúvio, para destruir a terra. E disse Deus: Este é o sinal da aliança que ponho entre mim e vós, e entre toda a alma vivente, que está convosco, por gerações eternas. O meu arco tenho posto nas nuvens; este será por sinal da aliança entre mim e a terra" Génesis 9:11-13.
Qual é o Significado do Arco-Íris
A palavra em hebraico para arco-íris é "kesbet". Interessante, pois, a palavra Keshet, além de arco-íris, também significa arco apenas. É bem fácil ver que a conexão da palavra arco em português e em hebraico é a mesma.
Os hebreus antigos se referiam ao arco-íris como um arco (um instrumento de guerra), ao usar a mesma palavra, tanto para o arco-íris como para o armamento arco e flecha. Interessante também notar que a curvatura do arco de guerra mostra a direcção para o qual ele aponta a sua flecha. Mas ao voltar para o Génesis, Deus estabeleceu o seu arco nas nuvens para mostrar que não mais destruiria a terra por causa do homem. E se Deus não destruiria mais o mundo por causa dos pecados do homem, isso queria dizer que Ele passaria então a tolerar a maldade humana? A resposta fundamental é NÃO! Como Noé [repousar, consolar], o nosso consolo e repouso é representado pelo símbolo à semelhança de uma arma feita para derramar sangue, que agora, visto da perspectiva da terra, apontava em direcção ao céu.
Era o arco de guerra de Deus num local onde todos podiam ver. Deus agora aponta para si mesmo uma flecha afiada, que viajou durante séculos, e que foi encravada na sua carne enquanto estava pendurado no madeiro, ao fazer com que saísse sangue e água do seu corpo. Sangue para a purificação dos pecados e água para a lavagem da maldade humana.
"Contudo um dos soldados lhe furou o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água" João 19:34.
"E outra vez diz a Escritura: Verão aquele que traspassaram" João 19:37.
Deus não mais castigaria a humanidade pelos seus próprios erros, mas faria com que esse castigo e essa maldição recaísse sobre os céus, sobre Ele mesmo, pois na cruz era Deus (o Pai) a castigar Deus (Jesus) para salvar o ser humano das suas maldades.
Essa é a verdade monumental que Noé, o dilúvio e o arco nas nuvens nos ensinam, que Deus na sua infinita misericórdia aponta para si mesmo a punição pelos pecados do mundo, que deveria cair sobre todos nós, mas graças a Deus que o castigo que nos traz a paz estava sobre Ele.
"Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados" Isaías 53:5.
O Pacto da Graça de Deus em Génesis 9:8-17
O que pensar nestes momentos de dor que envolveu milhares de brasileiros(as) que estavam a presenciar em 2011 a maior tragédia de todos os tempos no Brasil? A Região Serrana do Rio de Janeiro foi a mais afectada pelas chuvas nesse início de ano ao deixar, mais de 500 pessoas mortas (dados do G1). O que dizer nestas ocasiões de perdas familiares ou de amigos numa das maiores catástrofes naturais ocorridas no Brasil à luz da Palavra de Deus?
Certamente que os cristãos(ãs) crêem que Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança para "dominar os peixes do mar, as aves dos céus, sobre o gado, os répteis e toda a terra" (Génesis 1:26); para cuidar da Criação de Deus. A bíblia narra em Génesis o "Dilúvio" enviado por Deus por causa da desobediência do ser humano (Génesis 6). Com a corrupção do género humano, a Bíblia em Génesis 6:6 diz:
"Então, arrependeu-se o Senhor de ter feito o homem sobre a terra, e isso pesou-lhe o coração". Deus arrependeu-se de ter feito o homem, a tal ponto, que enviou o dilúvio para destruir a sua criação. No entanto, ele escolheu a família de Noé (8 pessoas) para preservar as espécies. Gostaria de partilhar com vocês neste momento de dor, insegurança, a Aliança de Deus com o seu povo.

Em Génesis 9 que está após o dilúvio reflecte os planos de Deus para preservar a humanidade. As ordens de Deus a Noé são claras: "frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra" (Génesis 9:1). A humanidade é preservada através de um acordo, uma aliança de Deus com Noé, ou seja, o arco colocado nas nuvens (Génesis 9:13). O conhecemos como Arco-Íris.
Essa foi a primeira vez que Deus estabeleceu a sua aliança com o homem. Ao longo da Bíblia a palavra aliança aparece quase quatrocentas vezes, o mais interessante é que somente no texto de Génesis 9:8-17, a palavra "acordo", ou "concerto", "aliança" (de acordo com as traduções) aparece sete vezes (Génesis 9:9, 11, 12, 13, 15, 16-17). Isso tem um significado muito grande porque o número sete na Bíblia revela a perfeição de Deus. Portanto, Deus não fez uma aliança qualquer com o homem, mas uma aliança perfeita para perdurar por toda a eternidade. Em outras palavras, a intenção de Deus é preservar a sua criação.
Após Deus dar algumas ordenanças a Noé, Ele estabelece o pacto da graça que estava a selar com o ser humano, a fim de preservar a raça humana e toda a sua criação. Ao longo da história da redenção percebe-se Deus a fazer várias alianças com o ser humano. Em Génesis 9 é a primeira vez que isso acontece.
O valor dessas alianças estabelecidas entre Deus e o ser humano, ao começar com Noé, não depende do homem, mas de Deus em usar da sua misericórdia e graça para com o seu povo. É verdade que às vezes não entendemos os propósitos de Deus, no entanto, muitas das acções de Deus na vida da humanidade são consequências das atitudes do próprio ser humano.
Os deslizamentos ocorridos nos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, por exemplo, será que as fortes chuvas que ocorreram nos últimos anos em todo o mundo não são consequências do desequilíbrio ecológico provocado pelas acções do homem? Creio que sim! Não temos como fugir das nossas responsabilidades, das consequências das acções do ser humano. Chega de ver mortes, tragédias e querer culpar Deus, pois as histórias bíblicas nos deixam claro que, mesmo o povo ao ser rebelde e ao não guardar os Seus mandamentos, Deus renova a Aliança com o seu povo.
Abaixo apresenta-se o valor do pacto de Deus com Noé. Diz o texto em Génesis 9:12-17:
"E Deus prosseguiu: 'Este é o sinal da aliança que estou fazendo entre mim e vocês e com todos os seres vivos que estão com vocês, para todas as gerações futuras: o meu arco que coloquei nas nuvens. Será o sinal da minha aliança com a terra.
Quando eu trouxer nuvens sobre a terra e nelas aparecer o arco-íris, então me lembrarei da minha aliança com vocês e com os seres vivos de todas as espécies. Nunca mais as águas se tornarão um dilúvio para destruir toda forma de vida. Toda vez que o arco-íris estiver nas nuvens, olharei para ele e me lembrarei da aliança eterna entre Deus e todos os seres vivos de todas as espécies que vivem na terra'. Concluindo, disse Deus a Noé: 'Esse é o sinal da aliança que estabeleci entre mim e toda forma de vida que há sobre a terra'.
Deus deu a Noé o sinal de um arco-íris para simbolizar o seu pacto, a sua aliança em preservar a toda a Criação, inclusive o Ser Humano. Qual o propósito? Era para a humanidade, representada em Noé, se lembrar do pacto de Deus com aqueles que Ele estabeleceu a Sua aliança. E quanto àquelas pessoas cristãs que morreram soterradas? Será que Deus é injusto ao punir inocentes? Neste sentido a carta aos Romanos nos auxilia ao dizer que:
"Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus [em amar Jacó e aborrecer-se de Esaú]? De modo nenhum!
Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão.
Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia (Romanos 9:14-16).
A aliança de Deus entre Ele e o ser humano, apesar de vivermos inimigos de Deus, por escolha própria (Romanos 3:10-23), Deus vem ao encontro do seu povo a fim de livrá-lo e salvá-lo (Êxodo 3). Um cristão(ã) jamais pode esquecer que, se não fosse o amor de Deus, o mundo todo teria sido destruído já nos dias de Noé! No entanto, por toda a Bíblia nos deparamos com situações em que o homem quebra essa aliança e, Deus prontamente estabelece um concerto com o seu povo (Génesis 17:2-8; Êxodo 19:4-5; Mateus 26), ou confirma a Aliança feita anteriormente. Deus quer de nós somente um zelo maior pela sua Criação, para que não aconteça um desequilíbrio ecológico e maiores desastres nos dias vindouros. Se o nosso coração pertence a Deus, somos fortes, pois a palavra de Deus diz:
"Quanto ao Senhor, os seus olhos passeiam por toda a terra, para mostrar-se forte com aqueles cujo coração é totalmente dele" (2 Coríntios 16:9). Nesses momentos de mobilização nacional, só nos resta orar como fizeram às 14h juntamente com os internautas e funcionários(as) pastores(as) da Sede Nacional, pois era hora de agir com acções práticas e "chorar com os que choram".
A Nudez de Noé e a Maldição de Canaã (Génesis 9:18 - 10:32)
Introdução
A ordem de Deus para destruição dos cananeus tem incomodado tantos crentes como não crentes:
"Porém, das cidades destas nações que o Senhor, teu Deus, te dá em herança, não deixarás com vida tudo o que tem fôlego. Antes, como te ordenou o Senhor, teu Deus, destrui-las-á totalmente: os heteus, os amorreus, os cananeus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus, para que não vos ensinem a fazer segundo todas as suas abominações, que fizeram a seus deuses, pois pecaríeis contra o Senhor, vosso Deus" (Deuteronómio 20:16-18).
Embora seja provável que a matança dos cananeus irá sempre nos causar uma certa apreensão, Génesis 9 aumenta muito o nosso entendimento do problema. Precisamos compreender que assimilar essa ordem foi muito mais difícil para os antigos israelitas do que é para nós hoje. Se Deus não tivesse endurecido o coração dos cananeus para não fazerem alianças com Israel (Josué 11:20), Israel provavelmente não teria tentado obedecer com tanto rigor ao mandamento do Senhor para destruí-los. Talvez seja um pouco complicado para nós avaliar a situação enfrentada por Israel antes de tomar posse da terra dos cananeus. Havia pouco ou nenhum contacto com aqueles povos pagãos. Eles devem ter achado muito difícil entender as razões para tratar os seus inimigos, os cananeus, sem nenhuma misericórdia. Génesis 9 coloca as coisas em perspectiva. Ele explica a origem das nações com as quais Israel, de algum modo, precisava se relacionar ao longo da história. Em particular, esta narrativa explica a depravação moral dos cananeus que tornou necessário o seu extermínio. Génesis 9 é crucial também por outras razões. É uma passagem que tem sido muito empregada para justificar a escravidão e, em particular, o domínio violento e pecaminoso sobre os povos negros ao longo dos séculos. Segundo dizem, a maldição de Cam está simplesmente a ser cumprida na medida em que os negros vivem em servidão a outras raças, especialmente aos brancos. Como vamos ver, uma análise cuidadosa do nosso texto não dá nenhuma base a essa interpretação.
A Maldição de Canaã (Génesis 9:18-29)
Os versículos que estamos a considerar devem ser entendidos no contexto da secção onde se encontram. Génesis 9:18 inicia uma nova divisão que vai até a Génesis 11:10. Moisés fala do repovoamento da terra pelos filhos de Noé. Génesis 9:20-27 explica a tríplice divisão da raça humana pela dimensão espiritual de cada seguimento. Enquanto os cananeus estão sujeitos à maldição de Deus, Sem será a linhagem pela qual virá o Messias e Jafé encontrará bênção na união com a linhagem de Sem (e seu descendente final, o Messias). Cronologicamente, Génesis 10 deveria vir após a confusão de Babel (Génesis 11:1-9). Os versículos de Génesis 11 explicam a razão para a dispersão das nações. Génesis 10 descreve os resultados dessa dispersão. No entanto, Génesis 10 vem primeiro para permitir que a ênfase recaia sobre o estreitamento da linhagem piedosa até Abrão. Depois do dilúvio, Noé começou a lavrar a terra, ao plantar uma vinha. O resultado do seu trabalho foi o fruto da videira, vinho. Embora a primeira menção ao vinho não seja sem uma conotação negativa, não devemos concluir que, devido a esse excesso, a Bíblia sempre ou quase sempre condene o seu uso (Deuteronómio 24:24-26; 1 Timóteo 5:23). Muitos ficam incomodados diante da deplorável situação de Noé, o homem que antes do dilúvio fora descrito como "justo e íntegro entre seus contemporâneos" (Génesis 6:9). Alguns sugerem que a fermentação talvez só tenha ocorrido após o dilúvio e que Noé estava simplesmente a colher os frutos da sua criatividade.
Embora não devamos procurar desculpas para Noé, precisamos reconhecer que Moisés não ressalta a sua culpa, e sim o pecado de Cam. Alguns sugerem vários tipos de males que poderiam ter ocorrido na tenda de Noé. Ainda que a linguagem empregada passa dar margem a certos pecados sexuais (Levítico 18), pessoalmente não encontramos nenhuma razão para presumir alguma atitude errada por parte de Noé, além da indiscrição da sua bebedeira e a sua consequente nudez. Talvez a melhor descrição para o seu comportamento e o seu estado seja a palavra "impróprio". Ficamos impressionados com a maneira pela qual Moisés se refere a este incidente, com um mínimo de detalhes e quase nenhuma explicação. Ter escrito qualquer coisa a mais teria sido perpetuar o pecado de Cam. Hollywood teria nos levado para dentro da tenda de Noé numa grande tela em Tecnicolor. Moisés deixa-nos do lado de fora junto com Sem e Jafé. Parece que Cam e os seus irmãos foram avisados sobre o estado de Noé, a fim dos três ficarem fora da tenda: "Cam, pai de Canaã, vendo a nudez do pai, fê-lo saber, fora, a seus dois irmãos" (Génesis 9:22).
Enquanto Sem e Jafé se recusaram a entrar, Cam não teve tantas reservas. Qualquer que tenha sido a falta de Noé, ele estava na privacidade da sua própria tenda (Génesis 9:21). E era assim que Sem e Jafé queriam. No entanto, Cam entrou, ao violar o princípio da privacidade, e, além de não ajudar o seu pai, divertiu-se às suas custas. Cam não fez nada para preservar a dignidade do seu pai. Ele não cuidou para que Noé fosse devidamente coberto. Em vez disso, ele saiu da tenda e descreveu claramente a seus irmãos o desatino que tinha tomado conta do seu pai. Parece-nos também que ele pode ter dito a Sem e a Jafé para entrarem na tenda e verem por si mesmos.
As medidas tomadas por Sem e Jafé para não ver a nudez do pai parecem meio radicais numa sociedade sexualmente permissiva. Por outro lado, as nossas televisões têm nos tornado insensíveis à nudez ou à falta de educação. Existe propaganda para tudo quanto é coisa, mesmo para produtos que já foram considerados extremamente pessoais. Ao colocar "a" roupa, aquela com que Noé deveria se vestir, nos seus próprios ombros, eles entraram de costas na tenda. Sem olhar para o pai, eles o cobriram e saíram de lá. Na manhã seguinte, quando acordou da bebedeira, Noé tomou conhecimento do acontecido. Não sabemos como ele soube disso. Talvez ele estivesse consciente o suficiente para se lembrar dos acontecimentos da noite anterior. Uma coisa é certa - Sem e Jafé não disseram nada a ele, nem a ninguém. Desconfia-se que a história já estivesse na boca do povo na manhã seguinte e, como toda a certeza, por causa de Cam. Se ele não hesitou em contar aos irmãos, por que não contaria a toda a gente? Sem levar em conta a fonte de informação de Noé, a sua reacção teve grandes implicações. Canaã, o filho mais novo de Cam, foi amaldiçoado. Ele ia ser o menor dos servos dos seus irmãos. Embora alguns entendam que "irmãos" em Génesis 9:25 se refira aos seus companheiros, cremos que seja especificamente aos seus irmãos terrenos, os outros filhos de Cam. Nesse sentido, a maldição de Canaã ganha intensidade nestes três versículos. Em Génesis 9:25, ele será servo dos seus irmãos; em Génesis 9:26-27, servo dos irmãos do seu pai, Sem e Jafé. Visto desta forma, é impossível divisar qualquer aplicação deste texto à sujeição dos povos negros. Cam não foi amaldiçoado nesta passagem, e sim Canaã. Canaã não foi o pai dos povos negros, mas dos cananeus que viveram na Palestina e eram uma ameaça para os israelitas. Em Génesis 9:26, não é Sem quem é bendito, mas o seu Deus: "Bendito seja o SENHOR, Deus de Sem, e Canaã lhe seja servo" (Génesis 9:26). Com isso a linhagem piedosa seria preservada por meio de Sem. Da sua descendência viria o Messias. A bênção não vem de Sem, mas por intermédio dele. A bênção emana do seu relacionamento com Yahweh, o Deus da aliança de Israel. E a servidão de Canaã é uma das evidências dessa bênção.
"O SENHOR fará que sejam derrotados na tua presença os inimigos que se levantarem contra ti; por um caminho, sairão contra ti, mas, por sete caminhos, fugirão da tua presença. O SENHOR determinará que a bênção esteja no teu celeiro em tudo que colocares a mão; e te abençoará na terra que te dá o SENHOR, teu Deus. O SENHOR te constituirá para si em povo santo, como te tem jurado, quando guardares os mandamentos do SENHOR, teu Deus, e andares nos seus caminhos" (Deuteronómio 28:7-9).
Assim como a bênção de Sem consistia no seu relacionamento com Yahweh, Jafé seria abençoado no seu relacionamento com Sem.
"Engrandeça Deus a Jafé, e habite ele nas tendas de Sem; e Canaã lhe seja servo" (Génesis 9:27).
Acredita-se que o nome "Jafé" signifique "engrandecer" ou "alargar". Por meio de um jogo de palavras, Noé abençoa Jafé ao utilizar o seu próprio nome. A bênção de Jafé deve ser encontrada no seu relacionamento com Sem e não independentemente. Essa promessa é declarada mais especificamente em Génesis 12:3: "Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra".
Deus prometeu abençoar Abrão, e nele, as outras nações. Quem abençoasse Abrão receberia as bênçãos de Deus, enquanto quem o amaldiçoasse seria amaldiçoado. Além disso, Canaã seria subjugado todas as vezes que Jafé estivesse unido a Sem.
Existe uma clara correspondência entre as actividades de Cam, Sem e Jafé e as bênçãos e maldições que os seguiram. Sem e Jafé glorificaram a Deus quando agiram em conjunto para preservar a honra do seu pai. Cam desonrou tanto ao pai quanto a Deus por se divertir com a humilhação de Noé. Assim, Cam foi amaldiçoado e Sem e Jafé foram abençoados pela cooperação mútua.
A questão que se levanta na maldição de Canaã é: por que Deus amaldiçoou Canaã pelo pecado de Cam? E mais, por que Deus amaldiçoou os Cananeus, uma nação, pelo pecado de um único homem?
A explicação que melhor parece responder a essas perguntas é que as palavras de Noé não foram só de bênção e maldição, mas também de profecia. Embora seja verdade que os pecados dos pais visitem os filhos, isso é somente "até a terceira e quarta geração" (Êxodo 20:5). Se esse princípio tivesse sido aplicado, todos os filhos de Cam deveriam ter sido amaldiçoados. Pela revelação profética, Noé previu que as falhas morais demonstradas por Cam seriam manifestadas na sua totalidade em Canaã e na sua descendência. Ao levar isso em consideração, a maldição de Deus recai sobre os cananeus por causa da pecaminosidade prevista por Noé. A ênfase, então, está no facto de que os cananeus seriam amaldiçoados por causa do seu próprio pecado, não devido ao pecado de Cam. Cremos que isso explique porque Canaã é amaldiçoado e não Cam, ou o restante dos seus filhos.
As palavras de Noé, portanto, contêm uma profecia. Canaã irá reflectir mais amplamente as falhas morais do seu pai, Cam. E os cananeus irão manifestar essas mesmas tendências na sua sociedade. Devido à pecaminosidade dos cananeus prevista por Noé, a maldição de Deus é proferida. O carácter daqueles três indivíduos e o destino de cada um deles será reflectido corporativamente nas nações que deles emergirem.
A Tábua das Nações (Génesis 10:1-32)
Muito trabalho já foi gasto neste capítulo, por isso vamos nos restringir aos pontos principais. Como já mencionamos, a confusão de Babel precede cronologicamente este capítulo. A ordem empregada para tratar dos três filhos de Noé reflecte a ênfase e o objectivo de Moisés. Jafé é abordado primeiro porque é o menos importante no tema que está a ser desenvolvido. Cam é o seguinte devido ao papel importante desempenhado pelos cananeus na história de Israel. Sem é mencionado por último porque ele é o personagem principal do capítulo. Ele é aquele por intermédio de quem virá o "descendente da mulher". A linhagem piedosa será preservada por meio de Sem.
A tábua das nações mostra uma selectividade que também é útil para o objectivo da narrativa. Somente as nações que são descritas irão desempenhar um papel chave no desenvolvimento nacional de Israel na terra de Canaã.
Em geral, a identidade dos descendentes dos três filhos de Noé é bem conhecida. De Jafé vêm os indo-europeus, dos quais os mais conhecidos seriam os gregos. Até mesmo a história secular helénica vê Iapetos como seu antepassado. Leupold nos diz:
...os descendentes de Jafé são vistos dispersos por uma área bem definida desde a Espanha até à Media e quase em linha directa de leste a oeste.
A maioria de nós seria da linhagem de Jafé. Cam foi o antepassado daqueles que construíram grandes cidades e impérios, ao incluir a Babilónia, a Assíria, Nínive e o Egipto. Pute, provavelmente, foi o pai dos povos negros. De Canaã vieram as nações normalmente conhecidas como os cananeus:
"Canaã gerou a Sidom, seu primogénito, e a Hete, e aos jebuses, aos amorreus, aos girgaseus, aos heveus, aos arqueus, aos sineus, aos arvadeus, aos zemareus, e os hamateus; e depois se espalharam as famílias dos cananeus" (Génesis 10:15-18; Deuteronómio 20:17).
O território deles era aquele directamente ligado a Israel:
"E o limite dos cananeus foi desde Sidom, indo para Gerar, até Gaza, indo para Sodoma, Gomorra, Admá e Zeboim, até Lasa" (Génesis 10:19).
Sem é o antepassado dos semitas. Precisamos ter cuidado para não confundir essa designação com os povos que falam as línguas semíticas. Estas línguas incluem tanto os povos descendentes de Sem quanto os de Cam. Ross menciona os descendentes de Sem como "...as famílias que se estendem da Ásia Menor até às montanhas ao norte da região do Tigre, a Ur na Suméria, ao Golfo Pérsico e finalmente ao Norte da Índia".
O descendente mais proeminente de Sem é Éber, pai de Pelegue (Génesis 10:25), antepassado de Abrão (Génesis 11:14-26). Cassuto sintetiza muito bem o objectivo do capítulo 10 de Génesis:
(a) mostrar que a providência divina é reflectida na distribuição das nações sobre a face da terra não menos que em outros actos da criação e da administração do mundo;
(b) determinar o relacionamento entre o povo de Israel e os outros povos;
(c) ensinar a unidade da humanidade pós-diluviana, a qual, como a raça humana antediluviana, era inteiramente descendente de um único par de seres humanos.
Conclusão
Génesis 9 e 10 foram vitais à nação de Israel por terem precedido a ocupação da terra prometida de Canaã. A maldição de Canaã explicou a origem da depravação moral dos cananeus da sua época. Mais do que qualquer outro povo, a sua depravação sexual é comprovada pelas descobertas arqueológicas. Albright escreveu:
A comprovação de objectos de culto e textos mitológicos dos cananeus com os dos egípcios e mesopotâmios leva a uma única conclusão: a religião dos cananeus era totalmente voltada para o sexo e as suas manifestações. Em nenhum outro país têm sido encontradas tantas estatuetas de deusas da fertilidade nuas, algumas claramente obscenas. Em nenhum outro lugar a adoração de serpentes aparece com tanta força. As duas deusas, Astarte (Astarote) e Anate, são chamadas de "as grandes deusas que concebem, mas não dão à luz".
Além de explicar a razão para o extermínio dos cananeus, Génesis 10 ajuda também a identificá-los:
Aqui os cananeus são especificados, pois Moisés sabia que Israel teria muitas ligações com aqueles povos (Génesis 15:16), e os israelitas precisavam saber claramente quais eram cananeus e quais não eram, pois tinham o dever de expulsá-los da terra de Canaã (Deuteronómio 20:17).
Infelizmente, precisamos reconhecer que Israel deixou de aplicar totalmente o ensino desta passagem. Eles não destruíram por completo os cananeus e até se casaram com eles, para seu próprio prejuízo. Há uma grande lição para nós nesta porção da Escritura:
"Ora, estas coisas se tornaram exemplos para nós, a fim de que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram. Não vos façais, pois, idólatras, como alguns deles; porquanto está escrito: O POVO ASSENTOU-SE PARA COMER E BEBER E LEVANTOU-SE PARA DIVERTIR-SE. E não pratiquemos imoralidade, como alguns deles o fizeram, e caíram, num só dia, vinte e três mil. Não ponhamos o Senhor à prova, como alguns deles já fizeram e pereceram pelas mordeduras das serpentes. Nem murmureis, como alguns deles murmuraram e foram destruídos pelo exterminador. Estas coisas lhes sobrevieram como exemplos e foram escritas para advertência nossa, de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado. Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia" (1 Coríntios 10:6-12).
Por vezes tem-se pensado muito nesta passagem porque, de certa forma, ela não parece ter grande impacto sobre a nossa vida. De repente, ocorre que a questão é justamente a história da nudez de Noé para as pessoas da nossa época.
É muito difícil para nós ficarmos impressionados com o facto de Noé estar estendido nu e bêbado na sua tenda. Afinal, alguns poderiam dizer: "Será que o pecado dele prejudicou alguém? Ele não estava nu na privacidade da sua tenda?" Ficamos mais surpresos com as medidas "extremas" tomadas por Sem e Jafé do que com a nudez de Noé, é ou não é?
Devido a isso, os eruditos têm tentado encontrar algum pecado mais chocante que tenha ocorrido dentro da tenda. Alguns sugerem que Cam presenciou a intimidade sexual do seu pai com a sua mãe. Outros pensam que ele teve relações homossexuais com o pai semiconsciente. Mas nada disso é exigido pelo texto.
O grande problema dos nossos dias é que quase não há mais identificação com o tipo de atitude ou acção dos dois filhos piedosos de Noé, Sem e Jafé. Nós não ficamos envergonhados, nem chocados com o que aconteceu com Noé na sua tenda. E a razão disso é o que torna esta passagem realmente chocante: fazemos parte de uma sociedade que não se envergonha, nem se escandaliza diante da indecência moral e sexual. Praticamente todo o tipo de intimidade sexual é retratado nos filmes e nas telas da TV. Mesmo condutas anormais e pervertidas têm se tornado rotineiras para nós. Sem o mínimo senso de decência, as coisas mais íntimas e particulares são anunciadas diante de nós e dos nossos filhos.
Será que percebemos qual é o problema? Nós não nos preocupamos com a nudez de Noé porque descemos tanto no caminho da decadência que nem vacilamos diante do que aconteceu nesta passagem. Irmãos, se a condenação de Deus recaiu sobre os actos de Cam e de quem andou nos seus caminhos, o que isso diz para nós hoje em dia? Deus nos perdoe por não ficarmos mais chocados e envergonhados. Deus nos guarde dos pecados dos cananeus. Deus nos ensine o valor da pureza moral e a sermos implacáveis com o pecado. Que não deixemos o pecado habitar entre nós, como este texto ensinou a Israel. Mas existe ainda um outro nível de aplicação. A maioria de nós tende a pensar em santidade em termos dos pecados que cometemos ou evitamos. Esta história diz-nos que um dos testes do carácter cristão é a nossa reacção aos pecados dos outros. Cam, aparentemente, se divertiu com o pecado de Noé, em vez de ficar horrorizado com o que viu. E não é exactamente isso o que acontece na nossa sala de estar diante do aparelho de TV? Nós não achamos o pecado repugnante, mas engraçado.
Qual deve ser a nossa reacção diante dos pecadores hoje em dia? Será que devemos acabar com eles como fez Israel com os cananeus? O Novo Testamento nos dá instruções muito claras quanto a isso:
"E não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; antes, porém, reprovai-as. Porque o que eles fazem em oculto, o só referir é vergonha" (Efésios 5:11-12).
"Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também tentado" (Gálatas 6:1).
"Acima de tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros, porque o amor cobre multidão de pecados" (1 Pedro 4:8).
"Salvai-os, arrebatando-os do fogo; quanto a outros, sede também compassivos em temor, detestando até a roupa contaminada pela carne" (Judas 23).
Ao contrário de Cam, devemos aplicar o princípio da privacidade reiterado por Paulo em Efésios 5:12. Alguns pecados não devem ser esquadrinhados. Não devemos explorá-los, nem compartilhar o que sabemos com outras pessoas. Este princípio, cremos, foi seguido por Moisés pelo modo como ele registou, de forma breve e sucinta, o pecado de Noé e as suas consequências. As consequências são bem salientadas, mas não as circunstâncias. Vamos aprender com isso.
Devemos observar que nesta passagem em Efésios aprendemos a reprovar as obras infrutíferas das trevas (Efésios 4:11). Mas isso não deve ser feito ao explorar o pecado ou a viver nas trevas, mas ao viver como luzes, a brilhar num mundo de escuridão.
"...até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para o outro e levados ao redor por todo o vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro" (Efésios 4:13-14).
O pecado é reprovado pela rectidão, não por fazer boatos de actos pecaminosos. Gálatas 6:1 ensina-nos a restaurar aquele que caiu em pecado. Nesta passagem Paulo ressalta a atitude de quem deve se encarregar dessa obrigação. A pessoa precisa ser dotada de espírito de brandura, e também extremamente consciente da sua própria fraqueza na mesma área. Pedro nos ensinou que a melhor maneira de lidar com o pecado é quando ele é conhecido pelo menor número de pessoas. O amor não cobre multidão de pecados da forma como vimos em Watergate. Aquilo foi acobertar, não cobrir. Eles tentaram manter os actos ilegais longe do escrutínio público. A cobertura sobre a qual Pedro escreveu é o esforço para falar o mínimo possível sobre o pecado, de modo que os culpados encontrem perdão e reconciliação enquanto os outros não são tentados ou prejudicados pelo conhecimento desse pecado. Finalmente, Judas nos fala sobre o ódio que devemos sentir pelo pecado e sobre o desejo de santidade de permanecer puros para a glória de Deus. Não podemos odiar o pecador, mas o pecado, sim. Não devemos nos afastar daquele que caiu, mas arrancá-lo do fogo. Para concluir, vemos nestes três homens - Sem, Cam e Jafé, um retrato dos homens ao longo da história do relacionamento de Deus com eles. Em Génesis 12, vemos a linhagem pela qual virá o Salvador ao estreitar-se na descendência de Abraão. Os homens serão abençoados ou amaldiçoados de acordo com a sua atitude para com ele (Génesis 12:1-3). No Calvário vemos representado o culminar do pecado do homem. Sem estava presente nos líderes religiosos judaicos que queriam o Messias morto e fora do caminho. Jafé estava presente nos romanos que se uniram aos judeus para crucificar o Senhor da glória. E Cam estava presente em Simão Cirineu, que servilmente carregou a cruz de Jesus (Lucas 23:26). Temos uma escolha a fazer, pois podemos experimentar as bênçãos de Jafé ou a maldição de Canaã. A descendência justa finalmente culminou na vinda do Messias, o descendente da mulher (Génesis 3:15), o descendente de Sem (Génesis 9:26) e de Abraão (Génesis 12:2-3). Em Cristo, pela fé e submissão a Ele como meio de Deus para dar perdão e justificação aos pecadores podemos experimentar a bênção de Jafé. Ao desprezar e a rejeitar a Cristo - ao permanecer em nossos pecados, ficamos sujeitos à maldição de Canaã por toda a eternidade.